Capítulo 3 - Por que eu te odeio?

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Lina foi a primeira a ser deixada em sua residência, fria como sempre foi, ainda não havia aceitado aquela situação e provavelmente só iria se dar conta do ocorrido algumas horas depois. Matheus desceu junto a Jeneth na casa dela, pois a garota estava atordoada demais para ficar sozinha. Por fim, Jesse deixou Sidney no campo de futebol ao lado da faculdade, como ele havia pedido, mas, como não conseguia mais aguentar a consciência pesada, antes de partir, o Barbosa disse:

— É nossa culpa, devemos enfrentar as consequências disso, Sid.

— Apenas volta pra casa e fica na tua — respondeu o amigo com uma baforada de fumaça no final — Vão demorar pra relatar o sumiço do Ren, nós só precisamos seguir com nossas vidas.

— Sabe muito bem que não será tão simples assim...

— Eu sei, cacete! — irritado, berrou, chutando a lateral da pick up com força suficiente para deixar um amassado.

Mas não era maior do que o amassado que o corpo de Ren Amorim deixou, um amassado com marcas de sangue.

— Limpa essa coisa antes de ir pra casa — disse por fim, pegando o cigarro para jogá-lo fora no meio-fio — Eu vou pensar numa forma da gente se safar dessa merda...

E, depois, deu as costas ao amigo preocupado que seguiu a estrada. Eles todos precisavam esfriar as cabeças, o dia foi muito turbulento e não eram nem cinco da tarde ainda! Sidney se sentia um lixo por dentro, mas manteve a pose de capitão do time de futebol quando chegou próximo aos amigos que estavam no meio de um treino.

— E aí, chefia, de onde chega? — perguntou Sheldon João Pires com seu tom estridente e irritante de costume, ele estava sentado nas arquibancadas mexendo no celular com mais alguns membros do time.

— Não te interessa — Sid o censurou, mas em seguida abriu um largo sorriso para encobrir sua confusão mental e emocional, voltando-se para os outros jogadores — Vamos treinar, galera.

E ele se deixou afogar no treino intenso, mas os pensamentos impertinentes continuavam vindo para assustá-lo.

Aquela criatura deformada jamais poderia encontrá-lo novamente, não é? O monstro da floresta sempre ficava na floresta, certo? Logo o ex-companheiro seria dado como desaparecido e as investigações começariam; até lá, a neve já teria encoberto as pegadas de Sid e seus amigos e, mesmo que fossem interrogados como possíveis suspeitos de algo relacionado ao "suicídio" de Ren, bastava afirmarem apenas que eles faziam algumas brincadeiras de mau gosto com ele, nada mais que isso.

Sim, eram só brincadeiras, brincadeiras que às vezes deixavam hematomas em sua pele extremamente pálida, aquela pele que parecia ser feita de leite, tão delicada que não podia sair ao sol sem o maldito guarda-chuva preto que Ren levava para todos os cantos.

Sidney nunca mais o veria, nunca mais o chamaria de Cara de Fuinha, nunca mais faria piadas sobre sua virgindade, nunca mais lhe daria empurrões de "brincadeira", nunca mais ouviria um "Por favor, já chega!" desesperado enquanto ria com seus amigos, nunca mais seria olhado com temor por aquelas íris vermelhas de peixe-morto...

"Nunca mais.", pensou enquanto se encaminhava para o vestiário masculino, pois o treino já havia terminado, "Nunca mais...".

Com um suspiro pesado, Sidney deixou o vestiário já sacando seu maço de cigarros, porém, enquanto caminhava pelos corredores que antecediam o ginásio, esbarrou em um garoto mais jovem que ele, talvez de uns 17 anos — exatamente cinco anos mais novo que Sid —, também loiro só que com olhos azuis e grandes que tremeram de surpresa com o impacto forte contra o corpo musculoso do Serra.

— Olha por onde anda, pirralho — esbravejou, entretanto, voltou-se para o garoto um segundo depois — Você, qual é o seu nome?

— Me-meu nome? — miou baixinho, ajeitando o óculos de armação vermelha, grandes e quadrados — Marcus Jose de Andrade. Por quê? Nós nos conhecemos?

— Não, não é nada, esquece. — E, simples assim, virou-se para continuar caminhando, porém seu coração estava tão acelerado que chegava a doer.

Aquele garoto, Marcus, vivia grudado em Ren como uma maldita assombração. Eles se reunião na biblioteca sempre nos intervalos ou quando tinham tempo livre, provavelmente falando sobre livros e outras coisas de nerd que interessavam ao Amorim. Vê-los juntos causava uma fúria enorme em Sid, porque quando conversavam, Ren sorria docemente para aquele pirralho, sorrisos que nunca foram dirigidos ao Serra.

"Por que será, né?", agridoce, pensou com um sorriso amargo, "Talvez seja porque eu tornei a vida dele um inferno...".

Mais um suspiro deixou seus lábios quando ele então se lembrou das palavras do Amorim naquela tarde, em cima do despenhadeiro, aquele sorriso provocante, as íris desdenhosas que não pareciam combinar com seu físico de coelho assustado.

— Eu sempre vou te odiar, Sidney.

As sílabas rodaram pela cabeça de Sid e, num acesso de fúria, ele empurrou Ren, que escorregou na neve e caiu morro abaixo. Por quê? Porque no fundo o loiro sabia que era a mais pura verdade e que nunca teria o coração do Amorim.

Por que ele o amava em segredo? Por que decidira implicar com o pobre coitado no lugar de se esforçar para formarem uma amizade? Por que Ren em especial? Talvez fosse a forma como ele sorria gentilmente para coisas pequenas, como era desajeitado, como era lindo com aquelas cores tão exóticas, como sua voz soava doce aos ouvidos de Sid... Talvez seja por conta de alguma dessas coisas.

De qualquer forma, não adiantava mais pensar sobre isso.

Ren Amorim estava morto e o ser no qual ele se transformara era apenas um monstro que perturbaria os sonhos do grupo de Sidney por alguns meses.

Será?

Nada era tão simples e, lembre-se, o amor move montanhas, mas o ódio destrói corações.

Número de palavras: 947.

Kill BoyOnde histórias criam vida. Descubra agora