Capítulo 26 - Estado de alerta

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O velório aconteceu logo depois da autopsia concluir que ambas mãe e filha haviam morrido por perda de sangue. Porém apenas o caixão de Lina Oliveira fora lacrado com a desculpa de que o corpo estava irreconhecível demais para ser visto pelos familiares.

Muitos compareceram ao funeral, inclusive o pai de Lina, Ricardo, que teve que confortar Luiz, o qual não parava de chorar copiosamente.

E quanto aos amigos próximos da negra? Eles apareceram, mas não tiveram coragem de entrar no salão onde ocorria o velório, temerosos demais, culpados demais.

— Começou — disse Matheus, ocultando-se em seu cachecol — Todos nós vamos morrer.

— E-eu não quero morrer! — Jeneth começou a chorar, um choro ardido e esganiçado que fez o asiático ranger os dentes de raiva.

Normalmente ele a consolaria, todavia isso foi antes dela colocar um par de chifres em sua cabeça.

— Fica calma, Jeneth. — Sidney tentou parecer tranquilo. — Isso pode ter sido só uma coincidência, afinal, os médicos disseram que os corpos foram atacados por lobos. Talvez não tenha nada a ver com o Ren.

— Não, isso foi obra dele — Jesse falou, nervosamente esfregando a ferida em seu pescoço — Foi o Ren, ele armou tudo isso para parecer um acidente.

— E agora? O que a gente faz? — em prantos, perguntou a latina — O Ren vai nos matar, estamos todos fodidos!

— Quer calar a boca? Estou tentando pensar, porra! — Matheus explodiu, deixando todo o seu medo se transformar em raiva. — Eu não vou ficar quieto esperando aquele Rato de Laboratório me matar, vou matar ele primeiro.

— Isso é impossível — lamentavelmente, disse Jesse — Nas palavras do avô do Ren, "o único jeito de matar o monstro da floresta é matando a causa de seu ressentimento".

— E o que caralhos isso significa?

— Nós somos o ressentimento do Ren, nós o torturamos durante três anos... Tudo o que ele quer é vingança e essa vingança só vai estar completa quando ele matar todos nós.

Um minuto de silêncio foi compartilhado entre o grupo, um silêncio petrificante que pareceu congelar suas almas. Jeneth continuou a chorar, fungando como uma criança, Matheus tentava em vão controlar seu tique labial, Sidney passava as mãos pelos cabelos loiros, bagunçando-os ainda mais, e Jesse mordiscava o lábio inferior.

A única que faltava era Lina e seu mexer nos óculos, porém ela nunca mais faria isso.

— Irmã, irmã! Por favor, diga que isso é uma mentira! — A voz de Luiz Oliveira irrompeu a quietude, ele estava ajoelhado ao lado do caixão de Lina, Ricardo tentou detê-lo, entretanto foi em vão.

O rapaz negro puxou a tampa do caixão de madeira envernizada e todos no salão imediatamente se espantaram. O que antes fora uma jovem formosa e inteligente, agora não passava de um punhado de pedaços de carne e ossos. Havia marcas de mordida por todo o seu corpo, marcas que Jesse reconheceu imediatamente.

O ruivo tampou a boca, porém foi inútil, seu estômago se contraiu e ele vomitou. Matheus jogou uma sova de palavrões, uma mistura de desespero e raiva, Jeneth abriu a boca a chorar mais alto, caindo de joelhos no chão enquanto fazia uma prece em espanhol. E Sid? Sid se recordou de sua conversa infrutífera com Ren Amorim, completamente desacreditado.

"Então ele pretende matar e devorar todos os meus amigos?", pensou, uma trilha de suor frio escorrendo pela têmpora, "Mas que puta merda...".

— Funerais são sempre um desastre. — Uma mão larga tocou o ombro de Sidney e o rapaz reconheceu imediatamente a voz de seu pai. — É realmente uma pena o que aconteceu com a Lina.

— Pai... — A voz do mais jovem vacilou por um momento, temendo a pergunta que faria. — A morte da Lina... Qual foi a causa da morte dela de verdade?

David o fitou com seus olhos verdes intensos e, por um segundo, havia pena neles.

— A senhora Amélia morreu quando o carro capotou morro abaixo. Já a Lina... — Ele fez uma pausa, mas já era o foco daqueles quatro adolescentes. — Ela foi atacada por lobos, ao menos foi o que a autopsia confirmou.

Mais um minuto de silêncio permeou o grupo, Sidney e seus amigos sabiam muito bem que não havia sido apenas um ataque de lobos famintos que matara a Oliveira, mas como dizer isso para um adulto? Soaria como uma piada de criança.

Porém Jeneth estava desesperada demais para pensar nas consequências.

Señor Serra, não foram lobos que mataram a Lina, foi um cara chamado Ren Amorim! — chorando, ela continuou, apesar de Jesse colocar a mão em seu ombro para tentar detê-la — Ele quer nos matar, disse que mataria todos nós! Ele é um monstro, é o monstro da floresta!

O sargento olhou bem para a jovem latina desesperada em sua frente e, mesmo sabendo que era contra as regras o que estava prestes a fazer, decidiu que precisava dar um jeito de acalmar aqueles garotos que pareciam visivelmente transtornados.

— Ren Amorim está desaparecido, a polícia está procurando por ele.

Aquilo só aumentou o medo nos olhos do grupo de amigos, todavia, mesmo assim, David tentou soar genuinamente convencido ao dizer-lhes:

— Mas não se preocupem, se foi ele mesmo que matou a Lina e não os lobos, nós vamos encontrá-lo e prendê-lo.

— Prendê-lo? — Matheus repentinamente riu de forma sarcástica. — Vocês têm é que matar aquele filho da puta!

— Não podemos fazer isso, Matheus. Ele será julgado e preso devidamente por seus crimes.

— Até lá, todos nós já estaremos mortos, caramba!

— Mas por quê? O que fizeram para ele ir atrás de vocês?

Para essa pergunta, nenhum dos amigos teve coragem de dar uma resposta, afinal, bastava lembrar do bullying para compreender que as ações do albino eram previsíveis. Ele só queria se vingar dos desgraçados que o fizeram sofrer, nada mais, todavia o medo de morrer batia a porta daqueles jovens e eles não estavam dispostos a atendê-lo.

— Não se preocupem — disse o sargento com um suspiro que quebrou a quietude — Nós vamos pegar ele. Não é como se ele tivesse superpoderes ou coisa do tipo.

Sidney engoliu em seco, incapaz de dizer ao seu pai que ele estava errado e que a polícia não estaria lidando com um simples humano e sim com um monstro. De qualquer forma, se dissesse qualquer coisa a mais, poderia soar suspeito ou como maluquice de alguém aterrorizado, então preferiu se calar.

Logo David se retirou, deixando os jovens para trás com seus temores. Aos poucos as pessoas iam se distanciando do funeral, deixando a família em prantos para se entregar ao luto.

E os jovens não fizeram muita coisa diferente.

Matheus falou mais uma meia dúzia de palavrões e então disse que precisava ir trabalhar. Jeneth saiu correndo para se trancar em sua casa, avisando aos amigos que iria parar de frequentar a faculdade até a polícia pegar o Amorim. Jesse mencionou algo sobre buscar mais pistas para descobrir o paradeiro de Ren e tentar pará-lo, deixando Sidney sozinho no estacionamento do cemitério.

Então a polícia também estava atrás do albino? Pelo que parecia, eles estavam ocultando coisas, mas era reconfortante saber que os adultos não se manteriam calados com aquela ameaça vagando por aí.

Ainda assim, Sid não conseguiu se tranquilizar, o tempo todo pedaços de sua conversa breve com o Amorim voltavam para perturbá-lo.

Por fim, quando se cansou de ficar quieto, decidiu se encaminhar para a faculdade. Sim, um de seus preciosos amigos havia morrido, não o tempo não parou por causa disso, afinal, milhões de pessoas morrem todos os dias.

Talvez a única diferença seja que poucas são devoradas por monstros.

Número de palavras: 1.259.

Kill BoyOnde histórias criam vida. Descubra agora