Capítulo 29 - Monstros e humanos

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— Aqui, pode beber.

Erzel entregou uma caneca de madeira envernizada para Ren — esta que parecia ter sido entalhada para lembrar a face de um leão —, dentro dela havia um líquido rubro e brilhante que cheirava maravilhosamente bem.

— É sangue. Beba enquanto está fresco. — instruiu e viu o mais novo dar um grande gole.

Era tão doce, muito diferente do sabor ferroso que se esperaria.

— Você já se acostumou com essa parte, né? — questionou o Giordani, seus olhos cinzentos reluzindo em um brilho divertido — Me diga, o que sentiu quando matou alguém pela primeira vez?

Ren terminou sua "bebida" e tranquilamente olhou para o adulto em sua frente, que claramente esperava ouvir uma resposta cheia de culpa e magoa.

— Fome.

Erzel começou a rir, uma gargalhada gostosa enquanto o mais jovem visualizava o interior de sua cabana de madeira: quatro paredes, um grande espaço que era dividido por uma cama, uma cozinha, um sofá e uma mesa cheia de utensílios para esculpir. A única luz disponível balançava no teto, deixando alguns locais com sombras e outros mais iluminados. O cheiro que imperava era o de madeira e verniz, e o Amorim pôde ver as muitas esculturas que o Giordani tanto se orgulhava — havia muito mais lá fora da casa, mas as menores e mais detalhadas ficavam dentro.

— Você é um gatinho engraçado. — Erzel limpou o canto do olho, mas, em um segundo, suas íris passaram de cinzentas para um amarelo âmbar. — Acho que eu não vou te matar por caçar no meu território.

Ren parou seus movimentos, seus instintos o alertando de que ele estava em perigo, porém o Giordani não moveu um único músculo, apenas continuou encarando-o com aqueles olhos petrificantes, os mesmo que o albino ostentava.

— Como você fez isso? — Foi a pergunta que escapou no meio do silêncio, saída dos lábios do Amorim. — Como consegue mudar a cor dos seus olhos?

Erzel se recostou em seu sofá mais uma vez, cruzando os braços sobre o peito, e, no segundo seguinte, quando abriu os olhos, eles estavam de volta a cor cinzenta. Ele olhou bem para o rapaz em sua frente, avaliando-o como um filhotinho perdido no meio de toda aquela bagunça.

— É tudo uma questão de controlar suas emoções. Se estiver com a mente limpa, eles voltarão a cor normal, mas se de repente algo o perturbar, como sentimentos de raiva, surpresa ou medo, eles assumirão a cor amarela.

— Entendi... — Ren tentou fechar os olhos por um momento, aclarando seus pensamentos.

Era verdade, desde o momento em que despertou perto da cabana de Erzel, ele só teve sentimentos de medo, raiva e ressentimento — apenas coisas negativas —, então, desta vez, tentou pensar em coisas boas, nas pouquíssimas lembranças agradáveis que tinha.

Ele se lembrou de seus pais, uma lembrança vaga, mas calmante; lembrou-se de seu avô e seu jeito rabugento que o fazia se sentir tão leve; lembrou-se de Marcus...

— O que caralhos eu fiz...? — As emoções que estavam amortecidas dentro de seu peito começaram a bombardeá-lo de uma vez só, foi uma enxurrada de sentimentos que se transformaram em lágrimas quentes que rolaram por suas bochechas. — Eu matei ele... Matei meu melhor amigo, e não senti nada! Eu sou um monstro!

— Realmente, você é um monstro.

Meio minuto depois daquela frase tão fria, Ren sentiu braços rodearem seu corpo, puxando-o para encaixar o rosto contra a curvatura de um pescoço fino. Erzel o embalou calmamente e deixou que ele chorasse como uma criança que fez algo errado e só então se deu conta disso.

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