Capítulo 14 - Você não é ele

3 1 0
                                    

Jesse Barbosa vagou pelos corredores movimentados da faculdade, o olhar castanho buscando incansavelmente no meio da multidão, buscando por uma figura franzina de aspecto frágil, porém com cores inegavelmente chamativas.

Ele não era capaz de nomear a gama de sentimentos mistos que floresciam dentro de seu peito. Ver Ren Amorim mais uma vez, vivo e parecendo tão tranquilo, fez com que o ruivo suspirasse genuinamente. Ele não era um assassino no fim das contas, nem um cúmplice. Mesmo assim, precisava encarar o albino mais uma vez, falar-lhe tudo o que estava entalado em sua garganta e aliviar o peso em seu peito.

Que se foda se seus amigos não estavam de acordo com abaixar suas cabeças e pedir perdão para o jovem que aterrorizaram durante três anos; o Barbosa estava pronto para se redimir, mesmo que Ren lhe pedisse algo em troca de seu perdão.

Finalmente Jesse poderia dormir com a consciência tranquila mais uma vez.

— Ren! — chamou ao ver o rapaz de roupas negras passar por uma das portas do prédio.

O Amorim não deteve seus passos, porém jogou um olhar de íris amarelas para Jesse, um olhar mortiço, entretanto estranhamente zombeteiro, como se já esperasse que o Barbosa viria até ele.

O ruivo não se intimidou, seguiu atrás dele e deu de cara com a escadaria de emergência que subia para o segundo andar. Ren estava encostado no corrimão, pronto para acender outro cigarro, o olhar completamente alheio ao rapaz de vinte anos que o encarava.

— Ren, preciso falar com você.

Não houve resposta, no lugar disso, o albino sugou uma tragada de nicotina e deixou a fumaça serpentear pelo ar gelado. Aquelas escadarias eram um pouco mais abafadas do que o restante do prédio da faculdade, eram silenciosas e cheiravam a bolor, e não havia câmeras de segurança.

Um minuto se passou enquanto Ren apenas fumava e Jesse o encarava, a boca contorcida numa linha reta, a saliva espessa descendo vagarosamente pela garganta. A tensão que pairava no ar levou o mais velho de volta ao despenhadeiro, ao bosque, quando ele encarou aquela criatura disforme e aterradora. Porém, agora, tudo o que via era seu antigo companheiro de faculdade, ali, vivo.

— Você... Você está bem, Ren? — foi a pergunta que suas cordas vocais conseguiram produzir no meio daquele clima estranho.

De novo, sem resposta. O albino o estava ignorando propositalmente? Não parecia algo que o desajeitado e medroso Ren Amorim faria. Ele geralmente sempre dava um jeito de responder quando o grupo de Sidney o perturbava, seja gaguejando pateticamente ou com múrmuros quase inaudíveis.

Na verdade, agora que se dava conta, Jesse nunca havia conversado francamente com ele. Nunca. E mesmo assim, ali estava o Barbosa, tentando pedir perdão por todos os anos de maus-tratos.

— Me perdoe, Ren — sussurrou quando o silêncio se tornou insuportável para ele. Jesse abaixou a cabeça, os cabelos ruivos escorrendo pela nuca — Me perdoe por tudo o que eu te fiz. Sei que só pedir desculpas não vai fazer suas cicatrizes desaparecerem, porém eu realmente estou disposto a fazer qualquer coisa para ter o seu perdão!

Novamente, nada, não houve resposta, apenas a quietude.

Jesse ainda ficou mais alguns minutos com a cabeça abaixada apenas ouvindo o som do ar sendo expelido pela boca do outro rapaz. Mil e uma coisas se passavam por sua mente, todavia a estranha calmaria o estava incomodando. Mas, afinal, o que o Barbosa esperava? Que Ren fosse sorrir docemente para ele e dizer "está bem, eu te perdoo por ter me matado e pelos anos de bullying".

Seria bom demais para ser verdade e Jesse estava prestes a descobrir que essa verdade nunca se tornaria real, pelo menos não depois de toda a dor pela qual fizera Ren passar.

— Jesse.

Ao ouvir seu nome ser entoado por aquela voz baixa e profunda, o ruivo ergueu o rosto, encarando a face do albino extremamente perto da dele. Seus olhos amarelados ficaram impressos na mente do Barbosa, esferas opacas com grandes pupilas dilatadas, muito diferente das pedrarias vermelhas que ele ostentava antes e que Jesse achava tão fascinantes.

Ren moveu uma mão para o rosto do ruivo, os dedos contornando sua bochecha, o polegar segurando seu queixo, lentamente escorregando por seu lábio inferior machucado.

"O que ele...?", sem tempo para pensar, um segundo depois, o Amorim já estava colando seus lábios com os de Jesse num beijo calmo, todavia que logo se transformou em um esfregar afoito. Nuvens de calor escorregavam para fora de suas bocas, enchendo o ar; tudo parecia tão surreal quanto um sonho, porém esse sonho terminou quando Ren repentinamente mordeu com força o lábio inferior do Barbosa.

Eles se afastaram, o gosto de sangue invadiu a boca de Jesse e ele levou a mão até a boca, apalpando a ferida, não era muito profunda, porém ardia. O Amorim, por outro lado, lambeu os lábios, recolhendo as gotas vermelhas e apreciando o sabor adocicado que se tornara seu novo vício.

O ruivo encarou seu companheiro e viu um sorriso labial taciturno em seu rosto pálido. "Ele me mordeu?", seus pensamentos dispararam, "O Ren me mordeu?", descrença se misturava com confusão em sua mente, mas ele continuou ali, petrificado.

— Pode dizer uma coisa para seus amigos? — A voz do Amorim soou tranquila enquanto ele começava a subir as escadarias de emergência. — Já é tarde demais para pedir perdão.

E, simples assim, ele deixou Jesse para trás, sozinho com seu novo machucado e pensamentos desconexos.

"Aquele era mesmo o Ren?".

Número de palavras: 905.

Kill BoyOnde histórias criam vida. Descubra agora