Capítulo 25 - Não há escapatória

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Naquela manhã, Lina Oliveira terminou de fechar sua mala; na soleira da porta de seu quarto, seu irmão gêmeo, Luiz, estava de cara feia, pronto para armar uma algazarra, porém a ingênua percepção sobre sua irmã mais velha que havia adquirido ao longo dos anos o obrigou a ficar calado.

A garota não estava se comportando como de costume nos últimos tempos e, mesmo que ela fosse naturalmente fechada em seu próprio mundinho, ouvir que de repente decidiu visitar seu pai em São Paulo foi uma grande surpresa para o resto da família, principalmente porque os gêmeos não estavam em bons termos com sua figura paterna.

— Tu não vai mesmo me contar o que tá rolando? — questionou Luiz pela decima quinta vez e Lina apenas suspirou em resposta.

— Só preciso de um tempo afastada dessa cidade.

— Tu nunca foi de tirar férias, e ainda por cima vai perder dias de estágio. Tudo bem?

— É para o melhor.

— "Para o melhor"? O que isso quer dizer?

— Nada, esquece, Luiz. Me deixa quieta.

Assim, ela passou por ele com sua mala pesada, indo à caminho da garagem, onde sua mãe já estava esperando com o motor ligado, Amélia a levaria até a estação de metrô e de lá ela seguiria para São Paulo sozinha.

Foi muito gentil da parte da enfermeira chefe, Catarina, ter permitido que Lina tirasse aquelas férias, dando-lhe uma licença para a faculdade também. A verdade era que qualquer um que convivia minimamente com a negra sabia que ela vinha se comportando de forma estranha de uns tempos pra cá, então, quando a Oliveira pediu uma folga de tudo e de todos, ninguém se opôs.

A sempre perfeita Lina Oliveira estava mentalmente exausta de tudo, mas, sobretudo, estava assustada. O episódio com Ren a deixara aterrorizada, por isso ela queria fugir, fugir do Amorim e de seu ódio, mesmo que isso significasse deixar seus amigos para trás também.

Além do amor de sua vida, é claro.

— Sid... — murmurou contra o vidro do carro, sua mãe estava ocupada demais ouvindo o rádio para dar atenção a ela — Tomara que você fique bem...

Foi um apelo sútil e ingênuo, pois, no fundo, Lina sabia que nenhum deles ficaria bem, não com um potencial assassino a solta.

E esse potencial assassino estava bem ciente da sua tentativa de fuga.

Ren Amorim abriu um sorriso cheio de dentes quando viu o carro pegar a estrada sinuosa e solitária que levava à estação de metrô. Tudo o que ele precisou fazer foi pular na frente do veículo, fazendo Amélia se surpreender e virar o volante com brutalidade para o lado da amurada feita de hastes de metal.

Um metal muito frágil para deter uma maquina de mais de uma tonelada.

Lina só teve tempo de enxergar a figura magra de Ren no vidro da frente antes de tudo começar a girar. O carro captou morro a baixo, colidindo com árvores e mais árvores até finalmente parar.

Na verdade, tudo parou, exceto a respiração da jovem, que continuava desregulada. Ela tentou erguer o corpo, todavia estava com os sentidos atordoados demais, e, quando apalpou a têmpora esquerda que latejava de dor, viu sangue em sua mão.

O terror lhe corroeu e, tossindo, ela tentou pronunciar o nome da mãe, porém som algum saiu de sua garganta. Seus olhos, por outro lado, registraram bem a cena da mulher negra com a parte superior do corpo sobre o capô do carro. "Por que ela nunca usa o cinto de segurança?", foi o único pensamento que Lina teve naquele momento de horror.

Amélia estava morta, seu olhar jazia estatelado, sangue escorria da lataria amassada do carro, e sua filha, ainda muito atordoada para compreender a verdade, conseguiu destrancar a porta e sair, caindo com as mãos e os joelhos na neve.

Sangue pingou sobre o manto branco, ela se sentia zonza, sua respiração estava irregular, a visão turva mal lhe permitia vislumbrar um palmo à frente dela, entretanto, mesmo com todas essas limitações, a negra ainda foi capaz de distinguir a figura distinta que se aproximou dela.

A face era completamente imutável, como se estivesse vendo uma cena do cotidiano, não um acidente fatal.

— Você pensou mesmo que poderia fugir de mim, Lina? — Ren perguntou, um sorriso maldoso se desdobrando em seu rosto — Sabe quantas vezes eu tentei fugir dos seus preciosos amiguinhos de merda? Foram tantas que eu nem me recordo mais, porém o Sidney sempre dava um jeito de me encontrar.

Então, ele se agachou para ficar com o rosto próximo ao dela, pegando seu queixo com uma das mãos; sua pele estava fria.

— Nenhum de vocês imbecis vai fugir. Eu vou caçá-los nem que para isso precise ir até os confins do inferno, vou caçá-los e matar todos vocês.

Lina tentou balbuciar alguma coisa, porém todas as possíveis palavras morreram quando o albino agarrou seu pescoço e, puxando-a para cima, suspendeu-a no ar com uma facilidade assustadora. Ela tentou se debater, mas foi em vão, e, quando o ar começou a faltar em seus pulmões, a jovem sentiu algo afiado pressionar seu antebraço, algo forte o suficiente para rasgar sua pele e deixar o sangue sair.

Demorou cerca de dois minutos para que ela em seu torpor conseguisse assimilar que Ren a havia mordido, mas já era tarde demais, a falta de oxigênio fez seu cérebro sucumbir e, conforme mais mordidas iam surgindo por seu corpo, sua consciência ia se desvanecendo.

O Amorim só se deu por satisfeito quando os pedaços de carne em sua boca finalmente calaram seu estômago. O sangue escorria por seu queixo, sujando suas roupas — ainda bem que eram todas pretas; ainda assim, o contraste do vermelho com o branco de sua pele era petrificante. A carne de Lina Oliveira parecia levemente mais salgada do que a de Marcus Jose de Andrade, porém Ren não tinha do que reclamar.

Quando finalmente resolver parar de comer, um uivo solitário permeou o ambiente. Ele sorriu para os lobos famintos que rodearam o carro, um sorriso vermelho cheio de vísceras.

— Fiquem à vontade — disse para os animais, largando o corpo da jovem Lina no chão com as marcas de mordida, marcas estranhamente diferentes dos dentes humanos.

De qualquer forma, Ren não se preocupou com isso, da mesma forma que não se preocupou quando matou Marcus.

Uma parte de sua vingança estava feita e isso bastava para ele.

"Menos um", pensou, cantarolando para o vento enquanto começava a andar por entre a floresta, "Qual será o sabor do próximo?".

Número de palavras: 1.072.

Kill BoyOnde histórias criam vida. Descubra agora