continuação 2

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— O senhor sabe que está invadindo uma propriedade privada? — perguntou-lhe friamente.

   Ele permaneceu observando-o em silêncio, as mãos na cintura, mas não se deu ao trabalho de responder. Vestia calça de algodão bege muito bem cortada e camisa de linha, muito elegante. Era óbvio que suas roupas haviam custado caro. "O comércio de ferro-velho deve estar em alta", pensou Júlio, cínico. "Esse, com certeza, não era nenhum parente pobre dos Pasqual."

— Imagino que fale português, não?

Houve uma pausa, depois o estranho assentiu com um leve movimento de cabeça, o rosto impassível, sem demonstrar nenhum tipo de emoção.

— Bem, já é algo. Então o senhor sabe o que quero dizer com invasão de propriedade privada, não? Meu pai deu permissão ao seu povo para que acampasse nessas terras sob certas condições. Sugiro que retorne de onde veio e descubra quais são essas condições. E não quero mais vê-lo andando por aqui, entendeu?

Desceu do muro e entrou no carro, percebendo, furioso, que ele nem sequer se movera do lugar. Que audácia a dele! Pelo espelhinho, arriscou uma mirada e viu que ele estava rindo dele.
"Vou até o acampamento e Luis vai ter de escutar algumas verdades", pensou, furioso. "Dá-se a mão a esses ciganos e eles querem o braço."
Tentou acalmar-se quando percebeu que estava acelerando demais o carro. Afinal, era só um incidente sem importância, e era ridículo sentir que poderia estragar sua volta para casa. Pois nada faria com que isso acontecesse. Nem agora, nem nunca.
   Águas Belas seria dele um dia, e ele cuidaria da propriedade com o carinho que seu pai, uma pessoa encantadora, mas desprovida de responsabilidade, jamais o fizera. Ele insistia em chamá-lo de Jandaia e ria da fúria de Júlio. O mês que passou com tia Miriam havia sido um breve intervalo de descanso antes que começasse a trabalhar nos escritórios de Águas Belas para aprender a administrar a propriedade. Era isso o que sempre almejara, embora Philip Araújo acreditasse que ele mudaria de idéia quando tivesse idade para assumir tal responsabilidade.
"Veremos como você se sentirá a respeito quando completar vinte e um anos" — disse-lhe.

Mas, para surpresa dele, aos vinte e três, ele continuava firme em seus propósitos.
E começaria desde já, tratando desse problema dos ciganos, direta e pessoalmente. Se Luis imaginava que seria fácil tratar com ele pelo fato de ser um jovem rapaz , ia ter uma grande surpresa!
    Estacionou o carro e atravessou o bosque a pé. Os trailers estavam estacionados um ao lado do outro, mas parecia não haver ninguém no acampamento, exceto um cão que ladrava insistentemente para Júlio.

—  Quieto, Ben. Sou eu acalmou-o, batendo à porta do trailer principal.

A porta se abriu imediatamente, revelando uma senhora de pequena estatura, os cabelos totalmente brancos, vestida com um avental de cores vistosas. Os olhos escuros e grandes estavam fixos em Júlio.

—  Bem, meu jovem. Júlio, eu estava à sua espera.
  A Vó Pasqual  era conhecida por ter poderes extraordinários e fazia um bom dinheiro lendo a sorte nas festas e feiras da região, mas Júlio jamais acreditara nisso; para ele os dotes daquela senhora consistiam em um bom faro para as novidades e uma memória fenomenal. Além disso, todos sabiam que, onde quer que Júlio estivesse, estaria de volta para a Festa de Verão.

—  Como vai, Vó Pasqual. O Luís está aí?
—  Não, ele saiu para tratar de algum negócio. Entre, meu jovem , Júlio. A chaleira está no fogo e eu tenho as cartas na mesa para o senhor.
  Júlio hesitou. Gostaria de uma xícara de chá, mas a última coisa que desejava era que a Vó Pasqual colocasse as cartas do tarô para ele.

—  Realmente, penso que não... —começou, mas logo foi interrompido.
—  O senhor pode não acreditar, mas há uma mensagem endereçada a você. Eu estava esperando que chegasse, para transmiti-la.

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