continuação 7

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E em relação à rudeza, os dois estavam empatados. Ele a havia ignorado completamente depois que seu pai, muito sem jeito, tentara apresentá-los; dirigir-se a Sr Philip lembrando- o do compromisso que tinham para visitar  o centro agropecuário e saiu sem ao menos dirigir-lhe um único olhar.
  Não havia nenhuma dúvida de que a noite seria um tormento para ele. Seu pai havia deixado muito claro que pretendia apresentar Alex Constantis aos amigos e vizinhos como o futuro proprietário da  propriedade que pertencia a família Araújo, e Júlio não estava seguro de poder suportar isso. Ele quase desistira de pôr o terno novo, pois de que valia estar bonito? A festa deixará de ter qualquer sentido para ele.
   Mas o orgulho foi forte. Não permitiria que ninguém, mas ninguém mesmo, percebesse o desprezo e ressentimento que sentia por Alex Constantis. Sabia que haveria muitos pares de olhos fixos nele, buscando sinais de tristeza. Seu amigos entenderiam e estariam prontos a ajudar, mas outros na vizinhança, que estavam havia anos fazendo profecias de desastre e falência da família, estariam bem satisfeitos. E agora o desastre caía sobre eles na forma desse camponês grego novo-rico.   
    Paul Constantis comentara sobre a perda da fortuna como se não desse grande importância à súbita mudança em sua vida, mas Júlio sentira que havia grande amargura escondida. Só agora ele entendia. Alex Constantis ia apossar-se de  sua própria casa, como havia feito com a fortuna dos Constantis.
     "Tijolos e paredes não são importantes", disse Sr. Philip.
    Talvez para ele não!
Júlio sabia que nas redondezas todos comentavam o grande amor que ele nutria por Águas Belas sua casa e as propriedades. Podia imaginar como todos ficariam chocados em saber que essa seria a última Festa de Verão. No entanto, ele não iria permitir que ninguém se apiedasse ou risse dele.
   Colocou um pouco de perfume e, com a cabeça erguida, desceu.
Como ainda era bastante cedo, os convidados para o jantar ainda não deveriam ter chegado; Júlio esperava ter a sala de estar só para si por alguns momentos. No entanto, para seu horror, Alex Constantis já estava lá, de pé, olhando o enorme retrato da primeira Araújo, sobre a lareira. Júlio jamais gostará da história de como família adquirirar  a propriedade. Sempre se sentia um tanto constrangido pelo lugar de honra dado a uma mulher que traía sem nenhuma vergonha o marido e se comportava  como uma prostituta. 
   Odiava a tradição de família de se levantar um brinde àquela mulher na Festa de Verão. Mas talvez, devido às circunstâncias, deixassem de lado tal ritual neste ano.

Hesitou diante da porta, pensando se teria tempo de escapulir antes que o visse, mas, como se ele adivinhasse, disse sem se voltar:

— Entre, thespinis, e fale-me sobre sua antepassada. Júlio entrou, sentindo-se muito incorfortável. — E não tente negar o parentesco. Os traços familiares estão presentes no retrato e também na cor dos cabelos. Voltou-se  e  olhou sem pudor dos pés à cabeça.
— E também o fato de que ela e você usam roupas justas até de mais, acrescentou Alex olhando cinicamente.
   Júlio enrubesceu violentamente. O modelo do traje destacava muito suas curvas e seu  bumbum Júlio não gostava muito de usar roupas íntimas e no seu traje ficava evidente isso, mas o fato de que o estranho não só tivesse se dado conta mas ainda comentando deixava- o enfurecido.
  Por outro lado, ele deveria confessar que ele tinha uma voz bonita, grave e ressonante, sem nenhum sotaque.

— Como o senhor é um estranho em nosso país, Sr. Constantis, devo previni-lo  de que comentários machistas não são bem-vindos em nossa sociedade, replicou frio.
— Machista? repetiu ele, fingindo-se surpreso.— No entanto, nascemos homens ou mulheres, thespinis. Não existe neutralidade na raça humana, e se essa raça tem algum futuro em nosso planeta, é porque os homens ainda podem dizer a uma mulher ou até mesmo outro homem que acham atraente.

Júlio enrubesceu mais ainda. Será que ele estava querendo dizer... Não, claro que não. Só estava tentando se vingar dele.

— O senhor estava perguntando sobre o retrato, não? A foto é da mulher do primeiro conde  e chamava-se Júlia.
— Como você, a única diferença é a última letra do seu nome?
— Sim.
— Ela era muito bonita — comentou ele, voltando-se para o quadro. Possuir tal beleza seria um raro privilégio.
— Sinto muito, mas o retrato não está à venda, Sr. Constantis. O senhor está comprando uma casa e não a história da família.
— Não tenho interesse no passado, thespinis disse ele em voz baixa —, só no presente e no futuro. Além do mais, não está decidido ainda se vou comprar a casa.
— Se o senhor está pensando em mudar de idéia por minhas palavras de hoje à tarde, então, sinto muito.
— Sente mesmo?—  disse Alex no mesmo tom.

Júlio sentiu um tom velado de ameaça na voz dele.
"Estou sendo ridículo", pensou, descartando a idéia.

— Acho que deveríamos estabelecer uma trégua. O senhor gostaria de tomar algo?
— Gostaria sim, obrigado. Vocês têm bourbon?
— Claro, é a bebida preferida de meu pai.

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