Continuação 21

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Júlio mal podia falar.

— Eu era uma pessoa tão fácil de impressionar, né? Ou ao menos era o que você imaginava. Um camponês grego, vulgar, o usurpador de fortuna da família. Todos os nomes que você me chamou, mostrando desprezo por mim. Mas quando descobriu que eu compraria sua casa, tudo mudou. Você decidiu a  se sacrificar, o filhinho de papai aristocrata e o grego grosseiro. Não é a história da Bela e a Fera? Era como você me via, não, Júlio mou? Como uma fera que você pudesse domesticar? Sente desprezo por mim, mas pensou que poderia me manipular e usufruir do meu dinheiro para viver como bem lhe aprouvesse.
— Não! – exclamou Júlio, chocado. Não, não é verdade...
— Você se casou comigo em troca de uma casa - continuou Alex, cruel. - Pois muito bem, matia mou, eu vou lhe presentear com esta casa. Não é tão ... luxuosa como a sua antiga casa , mas servirá, até que você aprenda seu lugar. E como não o quero como marido, você será, para usar sua própria expressão, um escravo doméstico.
— Alex... você não pode estar falando sério! horrorizou-se Júlio. É a nossa lua-de-mel. Eu sei que não deveria ter dito todas aquelas coisas e sinto tê-lo feito, mas foi há tanto tempo e no calor do momento. Eu estava aborrecido por perder a casa, confesso, mas não era só a  casa, a vida que eu levava também estava em jogo, você não compreende? Mas agora tudo mudou, estamos casados. E... eu preciso de você, não percebe?
— Precisa de mim? riu ele, ameaçador. - Neste caso, como você mesmo me disse em certa ocasião, terá de se conformar.

Alex levantou-se e apontou para a cômoda.

— Você encontrará roupas nas gavetas. Vista-se e desça; vou explicar suas obrigações.
— Alex, por favor, não pode ser verdade! Será que você não sente nada por mim?
— Claro que sim - respondeu, frio. - Acho você até bastante desejável. Mas não existe respeito entre nós, Júlio, e sem respeito não pode haver união. Você é mimado e orgulhoso e não há nenhuma beleza nisso. Se sente vergonha do que sou, ou do que fui, então, isso é problema seu. Durante sua estadia aqui, você terá de aprender a resolvê-lo.
— E se eu não o fizer? perguntou Júlio, mal acreditando em seus ouvidos.
— Então, o casamento deverá ser anulado. Não ficarei com uma pessoa que me despreza ou que pensa poder usar- me para atingir seus próprios objetivos egoístas. Então, vista-se ou não se vista, como queira. Para mim, não faz diferença. Desceu as escadas e desapareceu pelo alçapão.

Júlio desmoronou na cama outra vez, enrolando-se no cobertor velho. Apesar do calor, sentia-se gelado.
   Não podia estar acontecendo. Deveria ser algum desses horríveis pesadelos e logo despertaria a bordo do Clio, os braços de Alex envolvendo-o. Mas a aspereza dos lençóis em sua pele e a lembrança da voz de Alex eram demasiadamente reais para serem um sonho.

Júlio repassou mentalmente as palavras duras que dirigira a Alex. Ele tinha toda a razão para se sentir ofendido; ainda mais com o comportamento dos pais dele em relação a ele nas últimas semanas.
Mas isso não queria dizer que Júlio se submeteria de bom grado a tratamento tão humilhante.

Vou falar com ele", pensou Júlio. "Vou convencê-lo de que eu errei, mas que ele está equivocado sobre mim. Que eu  o quero e que sinto orgulho de ser seu  marido." Levantou-se, determinado, e foi abrir as gavetas em busca de suas roupas. Queria vestir calça jeans e uma camiseta, Quando abriu a cômoda ficou completamente imóvel por um momento; não havia nada de seu ali; na verdade, somente roupas de camponês,  limpas;  e um par de sandálias plásticas, um par de botas baratas. Nada mais.

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