continuação 34

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— Nós vamos partir mesmo? - Júlio quis saber.
— Você ouviu o que eu disse.
— E vou ter de conhecer sua mãe e o resto da família vestida nestes trapos?
— É claro que não, o que você acha que eu sou? Suas roupas estão aqui, desde o princípio.
— Então, eu gostaria de tê-las de volta agora, por favor. Quando já se dirigia a casa, Alex segurou-o pelo braço.
— Por que você fez aquilo? Por que fingiu? Poderia ter lhe contado toda a verdade, fazendo-me pagar muito caro por todo o sofrimento que lhe causei. Ele adoraria saber como eu o mantive prisioneiro aqui, humilhando-o de todas as maneiras possíveis. Meu primo Paul poderia ter salvado você, fazendo-o contar a história para a imprensa internacional. Eles iriam adorar o furo. Por que então você não lhe contou a verdade?

"Porque o amo", quis lhe dizer. "Porque meus instintos me levam a protegê-lo, apesar de tudo."

— Talvez eu creia que o que se passou aqui seja assunto nosso - disse, libertando o braço. — E talvez minha sede de vingança não seja tão avassaladora quanto a sua. - caminhou com a cabeça ereta até a casa, deixando-o só.

O pão que havia feito naquela mesma manhã ainda esta umva sobre a mesa da cozinha. Bem, essa era uma tarefa que não teria mais de fazer, concluiu, sentindo uma certa nostalgia.

Júlio ouviu dizer que prisioneiros muitas vezes passavam a amar suas prisões e podia agora acreditar nisso, embora sua estada não tivesse sido muito prolongada. Parecia que havia perdido a noção do tempo, mas o que mais importava era esse dia em que pertencera a Alex, finalmente.

Sentiu uma profunda emoção ao recordar-se dos momentos que tiveram juntos. Interrompendo seus pensamentos, Alex entrou carregando uma das maletas que supostamente havia ficado no Clio.

— É melhor que você se vista - disse ele, brusco. - Assim que Paul transmitir minhas ordens, o barco será mandado imediatamente para cá.
— Será que sua mãe não vai achar tudo isso muito estranho?
— Talvez sim. Mas não fará nenhum comentário a respeito. Ela mesma não teve uma vida muito convencional.
— Imagino que não — disse Júlio, mordendo os lábios. Ela...  ela fala português?
— Você está com medo de se confrontar com outra camponesa ignorante, Júlio mou? perguntou, cínico.
— Não, Alex, pelo amor de Deus! Será que não podería- mos esquecer todas essas bobagens? Já paguei caro demais por todas as tolices que falei ou que pensei. Por favor, não me culpe pelo que Ticiany falou. Não tenho a menor idéia por que ela fez aqueles comentários. Eu me senti enojado...
— Eu também - interrompeu ele. - No dia do nosso casamento, eu estava preparado para esquecer o passado. Você tinha um ar tão adorável, tão inocente, quando andava em minha direção, que qualquer idéia de punição, de salva guardar meu orgulho à sua custa, pareceu-me revoltante, até grotesca. Então, decidi abandonar meus planos de traze-lo para cá. Em vez disso, cheguei a acreditar que, pouco a pouco, você poderia se apaixonar por mim.
— Mas Alex...
— Não, escute-me. Durante todo o tempo depois da cerimônia, eu ansiava por estar a sós com você. Quando subiu para o quarto, decidi ir atrás. A porta estava aberta e eu escutei toda a sua conversa com Ticiany. Senti um ódio tão intenso, que resolvi retomar os planos iniciais.
— Mas você não pode acreditar que eu tenha concordado com todas aquelas maledicências dela, não pode!
— Eu acredito no que ouço. Você, em nenhum momento, contestou o que ela dizia. Na verdade, concordou o tempo todo!
— Era o que parecia! - Júlio desesperou-se. - Mas não foi o que realmente aconteceu. Oh, Alex, você tem de acreditar em mim! Não discuti com ela porque era exatamente o que ela queria: uma pequena cena e a satisfação de saber que havia me atingido. Eu só queria que ela saísse de perto de mim. É uma mulher mesquinha, maligna um demônio vestido de gente. Você pode perguntar a qual quer um que a conheça.
— Apesar disso, quando eu vi ela pela primeira vez, só falou a verdade sobre a sua idéia de casar-se com a única intenção de conservar a mansão.
— Não! Alex, por favor, você está completamente errado...
— É verdade. Errado desde o começo. Errado sobre tudo. Mas, afinal, o que importa? Nos dias de hoje, um erro, por mais grave que seja, não deve ser transformado em uma tragédia para toda a vida. Não precisamos mais nos punir. Você terá a mansão com nosso divórcio, Júlio mou!
— Você vai se divorciar de mim? -conseguiu dizer Júlio, atordoado.
— Será um acordo pacífico e, espero, civilizado. Quem sabe, pelo menos nosso casamento terminará dignamente.
— Mas mal começou... Você não sente nada por mim? Você me pareceu tão...
— Perdi o autocontrole, quando o vi emergindo das águas como Afrodite, agapi mou. Mas foi só por um momento.
— Então você vai contar tudo à sua família e à sua mãe?
—  Não. Em público, você será meu esposo. Só nós dois saberemos que será apenas meu convidado. E faremos com que nossa estada seja a mais breve possível.
— Está bem - a voz de Júlio soava cansada. - Acho que será melhor assim. Obrigado por trazer a maleta.
— Quer que eu a leve para cima para você?
— Não, obrigado. Posso fazer isso sozinho.

Sozinho... Era algo com que ele deveria aprender a se acostumar, pensava, enquanto subia orgulhosamente a escada, o coração partido.

Durante toda a vida, foi essa a grande ambição de Júlio. Mas deixara de ser a mesma criança mimada e orgulhosa. Nesse momento, era um homem vulnerável e com o coração destroçado. A única coisa que desejava na vida a partir de então escapara-lhe definitivamente. Suas chances de ser feliz com o homem que amava haviam-lhe sido cruel e bruscamente arrancadas para sempre.

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