continuação 3

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"E, sem dúvida, receber algum dinheiro por isso", pensou Júlio cético. Entre aborrecido e divertido, seguiu a velha senhora para dentro do trailer e sentou-se defronte a ela. O chá estava demasiado quente e quase negro; ele sorvia goles com cuidado enquanto Vó Pasqual abria as cartas.

—  Há muitas mudanças em sua vida e uma viagem para fora do país.
—  Acabo de voltar dessa viagem certa impaciência. comentou Júlio.
—  Esta é outra viagem.
—  Não creio. Dessa vez eu vim para ficar.
—  Vê o que está sobre você? - disse, abrindo uma carta.
—  O Rei de Espadas! Ele veio para afastá-lo de tudo e de todos. Ele é terrivelmente poderoso, o Rei de Espadas. Você não pode lutar contra ele, embora possa tentar.
—  Pode estar certa de que o farei — disse Júlio, seco. — A senhora pode me dizer como ele é para que eu possa evitá-lo?
— Ele está tão perto que quase pode tocá-lo sussurrou a velhinha. — E você não pode fugir do seu destino.

Sem querer, Júlio sentiu um frio percorrer-lhe a espinha, enquanto Vó Pasqual virava a última carta.

— Veja! A Torre atingida por um raio! Seu mundo virado de cabeça para baixo, sem dúvida.

Júlio não despregava os olhos das cartas. Desejava nesse momento deixar o problema do intruso para que seu pai resolvesse. Mas foi só por um momento. Ele jamais se deixara levar pelas bobagens da Vó Pasqual e não seria agora que iria começar.
   Bebeu o restante do chá de um só gole e levantou-se.

—  Bem, a previsão do tempo nada disse sobre tempestades. Vou me arriscar — comentou com certa rispidez. Começou a abrir a bolsa, mas a velhinha o impediu.
—  Entre nós não há necessidade de dinheiro, meu jovem. Já lhe transmiti o aviso; não há mais nada que eu possa fazer. Você é um rapaz orgulhoso, e sem dúvida muito decidido. Mas seu orgulho será derrotado. Está tudo nas cartas. Agora, fuja para casa e dance em sua festa, enquanto ainda puder.

Júlio quase tropeçou nos degraus do trailer e parou, o coração em disparada. Deveria haver alguma lei contra as previsões sombrias de Vó Pasqual. Havia sido muito diferente das previsões que ela costumava fazer sobre maridos atraentes e números premiados da loteria. Sentou-se no carro, esperando que seu pulso se normalizasse e censurando-se por ter sido tão tolo.       Ele nem ao menos deixou um recado para Luis sobre o intruso.   Bem, isso teria de esperar, pois de modo algum pretendia voltar.
  O pátio atrás da casa, onde se situavam os antigos estábulos e as garagens, estava lotado de carros, dentre eles peruas da floricultura e do buffet. A casa estava com aquela atmosfera de tumulto e de quase pânico comum a todos os anos no dia da festa. Mas, invariavelmente, tudo corria perfeitamente bem.
    Neste ano, até o tempo, parecia pestar colaborando. Encontrou a  mãe na espaçosa sala de estar, rodeada de papéis. Lídia  levantou a cabeça quando percebeu que Júlio caminhava em sua direção, o rosto abrindo-se em um sorriso.

—  Querido, finalmente! saudou-o, abraçando-o carinhosamente. Mas você se atrasou tanto! Eu estava começando a ficar preocupada.
—  Tive de dar uma parada antes de chegar casualmente. comentou
Por algum tempo, ficou observando a mãe.
   Será que essas rugas de preocupação em volta da boca e dos olhos estavam ali antes da partida de Júlio? Se assim fosse, talvez essas poucas semanas tivessem sido positivas no sentido de ensiná-lo a observar melhor sua própria mãe.   
     Lidia  sempre fora uma mulher sensível e nervosa e os problemas surgidos da vida em comum com seu adorável, mas irresponsável pai, não a favorecia em nada.

—  Está tudo bem? quis saber Júlio, ansioso.
—  Vai tudo bem, e melhor ainda agora que você está de volta, querido. Mal posso esperar para ouvir todas as novidades sobre Miriam e a sua viagem. Mas ainda há tanto o que fazer!
—  Vou subir e desfazer as malas e, em poucos minutos, já estarei de volta para ajudá-la, está bem? Onde está papai?
—  Está bastante ocupado. O sr. Paulo chegou bem cedo, esta manhã. Ficaram trancados no escritório o dia todo.
—  Não é muito gentil da parte de Polly, comentou Júlio, preocupado, usando o apelido que sir Philip dera ao advogado da família. — Normalmente, ele não viria incomodar o papai com problemas ou reuniões de negócios no dia da Festa de Verão. Tem certeza de que não há nada errado?
—  É claro que não assegurou-lhe Lidia, desviando os olhos. É só rotina. Provavelmente, Polly pensou que tomaria muito menos tempo.

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