continuação 4

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"Há algo errado", pensou Júlio, enquanto desfazia as malas. Não era só o tumulto dos preparativos para a festa. Era alguma corrente sombria que minava a superfície tranqüila e familiar de Águas Belas.
    Desde o momento em que ele  viu  aquele homem, o intruso caminhando pelo gramado, o dia dele parecera-lhe estragado, sua volta estranhamente sombria. "Ju, você etá ficando maluco", censurou-se, enquanto desembrulhava o  terno de gala que pretendia usar na festa.
  Tia Miriam ajudou a escolhê-lo; era simples sofisticado e bem cortado. Júlio jamais usara esse tom de azul tão escuro, mas tinha de admitir que tia Miriam estava certa quando dissera que ele deixava seus olhos da cor de safira. No passado, ele sempre escolhera roupas juvenis, leves em tom pastel. Esse modelo, elegante e sofisticado, serviria para provar que Júlio não era mais uma criança, mas sim um homem pronto para seguir o rumo de vida que ele próprio traçara par si.
  Sentou-se em frente ao espelho, levantando os cabelos, estudando o rosto. A leve batida à porta assustou-o, fazendo com que se sentisse culpado diante de sua mãe.

—  Você estava esperando por mim? desculpou-se Júlio — Mais alguns minutos e estarei pronto para ajudá-la.
—  Não, não é isso, meu bem. Tudo está correndo perfeitamente bem; aliás, como não poderia deixar de ser, após todos estes anos —assegurou-lhe, Lidia, a voz trêmula. —Ju, querido, e não deveria estar aqui falando com você. Seu pai disse-me para contar depois da festa, para não estragar as coisas no dia de sua chegada, mas eu simplesmente não posso...

Júlio envolveu a mãe com um braço e levou-a até uma poltrona perto da janela.
—  O que foi, mamãe? É o papai que tem desperdiçado dinheiro apoiando projetos lunáticos outra vez? É por isso que Polly está aqui, para lhe passar outro sabão?

Lídia não conseguiu reprimir um soluço que lhe apertava a garganta.

—  É pior que isso, filho .Muito pior. Não sei como lhe dizer... Ju, seu pai está sendo obrigado a vender a casa. Júlio sentiu como se lhe faltasse o ar. Apesar disso, manteve o sangue-frio.
—  Isso é alguma horrível brincadeira? Porque se for, não estou achando a menor graça...
—  Você acha que eu brincaria com algo tão sério? Vou lhe contar tudo, meu bem. A casa deve ser vendida. É por isso que o sr. Paulo (Polly ) está aqui. Ele tem vindo todos os dias durante as duas últimas semanas. Seu pai sofreu uma série de reveses financeiros. A aquisição da Companhia Mullion; houve boatos sobre a divulgação de informações confidenciais; ele teve de pedir demissão da diretoria, embora jure que não teve nada com isso.
  E não é tudo. Há algum tempo atrás, seu pai alterou uma série de investimentos, pois acreditava que os rendimentos estavam muitos baixos. Alguns dos novos investimentos eram de alto risco, mas ele pensou que valia a pena arriscar. Perdemos muito, demasiado. Foi um verdadeiro desastre. Somos obrigados a vender a casa, Ju, porque não temos mais condições de sustentar a nossa própria casa .
  A festa desta noite será a última que daremos. Lídia começou a chorar, a garganta apertada pelos soluços.

  Júlio continuou abraçando-a sentindo-se gelado por dentro.
"Vale a pena arriscar", pensou. Durante toda a vida, seu pai havia sido um jogador, preferindo viver a vida por um fio. Anos atrás, houve épocas em que as apostas e perdas no bacará tinham sido astronômicas. Júlio ainda se lembrava de cenas de choro e arrependimento que, na época, não podia entender.
Mais tarde, haviam-lhe explicado que os rendimentos deles eram adequados, desde que vivessem sem luxo.
   Mas não era o estilo de vida de Philip Araújo. A vida no campo entediava-o e estava sempre em busca de uma fórmula mágica que lhe trouxesse de volta as grandes fortunas da família da época anterior à guerra. Era como uma criança em busca de aventura, mas, dessa vez, a brincadeira iria custar muito caro.

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