Capítulo 3

17 1 0
                                    

 Abri os olhos devagar. Vi pela janela que o dia estava amanhecendo. Levou uns segundos para a memória funcionar, então lembrei: monociclo, Kurt, Nirvana, paintball! Me sentei num pulo. Me senti mais aliviada quando percebi que não estava no meu quarto, estava no sofá do Dave, Krist dormia na poltrona e Kurt no outro sofá. Vi que tinha uma jaqueta cobrindo minhas pernas. Peguei ela, e logo me cobri de novo quando o frio me arrepiou toda. Então, vi que ao lado de onde estava deitada, havia um chiclete. Que bom, eu não tinha escova de dentes ali, o chiclete ajudaria bastante.
Deitei de novo, com o braço cobrindo o rosto. E quando já estava quase caindo no sono de novo, alguém me cutucou. Dei de cara com Kurt, agachado na minha frente:

— Vamos embora, levanta.

Poderia questionar, e dizer: Ah, deixa pelo menos o dia amanhecer... Mas ele era Kurt Cobain, para onde ele fosse eu iria, e o que ele quisesse, eu assinaria embaixo.

— Ok.

Levantei. Deixei a jaqueta no sofá e segui Kurt lá para fora, tremendo de frio. Enquanto ia atrás dele, sem ele ver, dei umas ajeitadas no cabelo, e tirei a remela dos olhos. Verifiquei se o chiclete tirou mesmo o bafo. Para minha sorte, sim.
Entramos no carro, parado rente a calçada. Kurt estava com uma cara estranha, parecia estar sentindo dor. Enfiou a chave na ignição, então me encarou por um instante. Senti o rosto queimando, me perguntando o que ele estava pesando. Então, ele deu partida, e fomos embora.

— Você está bem? — perguntei.

— Não, e você?

— Eu tô legal.

Ele olhou pela janela, sem muito interesse, depois para mim:

— Você me parece familiar, já nos vimos antes?

— Acho que não.

— Será? — coçou o queixo, pensativo.

— Não.

— Certeza? — deu um sorrisinho brincalhão.

— Absoluta. — ri.

— Olha lá, hein? Nessa vida não dá pra ter certeza de nada.

— É verdade. Mas, pode acreditar, você nunca me viu antes.

— Então ok.

Rolou um silêncio, e uma hora ou outra eu o olhava disfarçadamente. Ele estava tão lindo. Aquele cabelo bagunçado, os olhos azuis distantes, aquela boca fina perfeita.

— Mad?

— Que foi?

— Está vendo aquela esquina ali? — apontou para minha janela. Olhei.

— Sim.

— Semana passada, um moço que tem uma loja de penhores aqui perto, estava bem ali, pronto para atravessar a rua, mas um carro vindo da outra rua, fez uma curva rápida, perdeu o controle e foi com tudo para cima dele. — fez uma cara de pena — Ele morreu na hora.

— Nossa, que horrível.

— É, uma merda. Estar no lugar errado, na hora errada. — sacudiu a cabeça negativamente.

— Você conhecia ele?

— A gente se falou uma vez. Era um homem bacana, tinha cheiro de terra, mas era bacana. Vai fazer falta para a família dele.

— Com certeza.

Paramos no sinal, as ruas estavam meio desertas. Naquela altura o dia já estava claro, mas o clima ficou nublado. Eu estava acostumada com sol e praia, lá em São Francisco. Bom, só com o sol, porque não ia muito à praia, só à noite às vezes.
Naquele momento, parei para pensar. Em casa e ali. Eu estava no meu jardim, tomando um ar, e de repente acordo em Seattle. Em Seattle há uns vinte anos no passado. Eu estava ali, sim, eu estava. E senti que se pensasse muito, ficaria louca, então sacudi a cabeça, levando aquele pensamento embora. Por que me preocupar com isso sendo que o cara mais incrível do mundo estava ali na minha frente? Devia era aproveitar.

In BloomOnde histórias criam vida. Descubra agora