21- Corpo de Mulher

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– O que você quer dizer? – Perguntei.

– Queria saber como você ta?

– Não foi por isso que você veio aqui, foi?

– Vim trazer a Gabi e fiquei te esperando.

– Ah sim, claro, a Gabi.

– Sim, a Gabi. – Respondeu, ela.

– Sinceramente não quero saber sobre isso.

– Você ta com ciúme?

Aquela pergunta foi como um choque de realidade, porque, se ela estava querendo saber sobre isso, então significava que estava visível o que eu estava sendo àquele respeito e isso não era bom, ao menos não pra mim e, principalmente, pro meu ego, tão pouco acostumado com esse tipo de coisa.

– Não tenho motivo pra sentir ciúmes. – Respondi tentando disfarçar.

– Tudo bem, entendi errado então.

– Enfim, eu to bem e você?

– Eu to com saudade de você.

Seu olhar era misterioso, acompanhado por sua fisionomia séria... era como se houvesse muito mais coisas a serem ditas, ou que, talvez, esperasse algo recíproco depois daquela frase. Na verdade eu também sentia sua falta, isso era óbvio, ao menos pra mim, mas não podia voltar atrás.

– Não faz isso. – Disse. – Foi justamente por isso que precisei parar.

– Tudo bem, mas eu precisava te dizer e queria fazer isso olhando nos seus olhos.

– Você ta com a Gabi.

– E você se importa com isso?

– Deveria? – Sorri, tentando ser insensível. – Acho que quem tem que pensar nisso é você.

– Verdade... mas mesmo assim queria saber.

– Olha, eu acho que essa conversa não vai chegar a lugar algum, então talvez seja melhor você ir embora, eu to atrasada e preciso subir.

– Por que você ta falando assim comigo?

– Assim como?

– Você nunca falou dessa maneira.

Eu sabia sobre o que ela tava falando, porque estava fazendo de propósito, o que tava sendo bem difícil, confesso, mas não tinha como ser de forma diferente, pois precisava fazê-la ir embora antes que pulasse em seus braços ali mesmo, diante de todos que passavam pela rua.

– Acho que te acostumei mal, então. – Falei.

– Pode ser.

– Você não deveria estar trabalhando? – Perguntei por causa do horário.

– Sim, mas entrei de férias.

– E Gabi tava na sua casa?

– Sim, dormiu lá.

Minha mente criativa viajou com aquela informação. Ela dormiu ela... elas transaram essa noite. Era como se conseguisse ver, as duas juntas, braçadas no pós sexo. Conversas e risadas, olhar adocicado, momentos fofos, momentos quentes. Como era ruim pensar naquelas coisas, mas não conseguia não fazer... era mais forte que eu.

– Que ótimo, fico feliz. – Menti.

– Enfim, fico feliz que esteja bem.

Dani começou a caminhar pra longe e isso me deu um sentimento estranho, como se fosse uma ansiedade, sei lá. Por impulso, perguntei:

– Ta gostando?

Ela parou, se virou pra mim e perguntou:

– De quê?

– Da Gabi.

Houve um breve silencio enquanto apenas nos olhávamos. Dani respondeu:

– É muito cedo pra dizer.

– Ela é bonita e ta muito afim de você.

Dani se aproximou novamente e, ainda com sua expressão séria, disse:

– Ela gosta do que vê, ou do que imagina a meu respeito, mas não sei se vai gostar de quem eu realmente sou... não costumo ter muita sorte com isso.

Suas palavras me tocaram o coração de uma maneira diferente, tanto que acho que, por um instante, baixei a guarda. Seus olhos estavam mais emocionados, embora não escorresse nenhuma lágrima. Eu sabia que havia uma dor por detrás de suas palavras, mas não entendia a quê se referia... falei:

– Gosto de quem você é.

– Você também não sabe, embora saiba muito mais que muita gente. – Sorriu... um sorriso triste.

– E quem você realmente é?

– Todos temos nossos segredos, você esconde sobre o seu trabalho e eu escondo quem eu sou... pode parecer idiota, mas nem todo mundo namoraria comigo.

– Eu não consigo entender, porque não vejo nada de errado em você, ainda mais sobre namorarem ou não contigo... eu sou puta, você acha que alguém namoraria comigo?

– Eu namoraria.

Eu ri... ri por diversos motivos, mas eu ri.

– Vou fingir que acredito nisso. – Falei.

Com ainda mais seriedade, Dani disse:

– O Mundo ta cheio de putas e putos, gratuitos inclusive, então foda-se se você é puta porque o mais difícil hoje é ter conexão, ou amar as pessoas por quem são e, no meu caso, não é qualquer mulher, seja lésbica ou hétero, que vai me amar genuinamente.

– Por quê? – Insisti.

– Porque eu sou trans... – Respirou fundo. – eu sou um homem num corpo de mulher.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Dani foi embora, mas desta vez não consegui fazê-la ficar... fazê-la? Pois é... fiquei confusa, por isso não falei mais nada. Dani era trans, mas o que é uma pessoa trans? O que isso significava pra... ele? O que isso significava pra... mim?


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