22- Trans

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Não conseguia prestar atenção em nada que era dito em sala de aula, pois minha mente parecia estar com várias abas abertas, assim como em um computador. Já disse que tudo isso era muito novo pra mim, ainda mais essa nova informação. Em silêncio, eu olhava pra Gabi, que nitidamente não fazia ideia de nada do que estava acontecendo.

Ela sorria, parecia mais alegre do que o normal e eu sabia que isso tinha nome e sobrenome, embora essa idéia fosse extremamente relativa depois da última informação que havia recebido a respeito de Dani.

"Eu namoraria"... "Eu sou trans"... "Segredos"... Realmente todos temos os nossos segredos e, querendo ou não, eles sempre impactam em nossas vidas, mas entendi o que Dani quis dizer quando diz que o mundo ta cheio de puta e putos gratuitos, só não conseguia entender como alguém não conseguiria amá-la... amá-lo... não sei.

Falando assim parece que nunca havia escutado a respeito desse termo, mas não é isso, até porque vivemos em um Mundo informatizado e, dependendo de cada um, creio que seja quase impossível nunca ter escutado falar sobre algo, mas é que aquela era a primeira vez que me deparava com uma situação assim... com alguém assim.

Volto a dizer, uma coisa é ouvir falar e outra é estar dentro da história, por isso que não sabia o que pensar, porque nunca havia estado em uma situação assim. Dani era a primeira "mulher" com quem ia pra cama e, agora, descubro que o buraco é muito mais embaixo do que sabia antes.

No meu próprio celular comecei a fazer algumas pesquisas, ali mesmo, em sala de aula, mas tinha em mim o sentimento de que até isso era relativo, porque nada me garantia que aquelas informações eram fieis ao que uma pessoa realmente sentia a respeito daquele tema.

Como eu queria poder sentar com Dani e conversar a respeito, pois haviam perguntar que gostaria de fazer e, com certeza, suas respostas seriam muito melhores do que qualquer pesquisa que pudesse fazer, mas não podia, não devia, já que essa ação poderia abrir uma brecha justamente pro que estava tentando fechar.

– To feliz. – Me disse Gabi, do nada.

Voltando a realidade e guardando meu celular, eu a olhei e processei o que tinha acabado de ouvir. Respirei fundo e, tentando ser simpática, respondi:

– Que bom.

– Ontem eu fiz uma surpresa pra ela e fui lá do nada, levei flores e chocolate...

– E Dani gostou disso? – Perguntei, interrompendo-a, realmente em dúvida.

– Quem não vai gostar de algo assim? – Me perguntou sorrindo.

– Ué, eu não ligo pra flores... sei lá.

– Ela gostou sim e foi ótimo.

– Que bom, fico feliz.

Juro que não queria falar daquele assunto, mas ela parecia querer muito compartilhar e, como fui eu quem fez a ponta, provavelmente por isso que Gabi estava abordando aquilo justamente comigo, mas, confesso, achei estranho, por mais que não tenha compreendido logo de primeira o que sentia a respeito, só que era muito desconexo o fato de Dani sempre ter sido cavalheiro comigo e agora estar feliz com alguém fazendo o mesmo... enfim.

– Chamei ela pra jantar, to esperando a resposta. – Comentou Gabi.

– Jantar quando? Hoje?

– Sim.

– Você não acha que ta indo muito rápido não? – Perguntei com sinceridade.

– Você acha? – Perguntou surpresa. – Você a conhece há mais tempo, então deve saber o que ta falando.

– Eu acho. – Minha fisionomia deve ter confirmado o meu desconforto, mas era inevitável.

O celular de Gabi vibrou sobre a mesa e rapidamente ela o pegou. Sua expressão foi de alegria pra tristeza, então imaginei que fosse referente a Dani. Fiquei curiosa, claro, porque queria saber qual seria o desfecho daquele convite, mas aguardei, pois começou a digitar.

– Ela disse que hoje não dá. – Comentou.

– Mas deu algum motivo?

– Só disse que tinha umas coisas pra fazer e que não ia poder... não entendi, até porque ela ta de férias. – Reclamou.

– E o que você respondeu?

– Eu disse que tava tudo bem e perguntei quando poderia ser.

– Então, vou dizer de novo, vai mais devagar... acho melhor.

Pra minha sorte a aula terminou naquele momento e, como era a última do dia, me levantei as pressas pra ir embora, como se tivesse algum super compromisso, mas na verdade eu só queria sumir dali pra acabar com aquele assunto, que, pra mim, era extremamente desagradável.

De qualquer maneira era impossível não pensar a respeito das últimas informações recebidas... Dani era uma pessoa trans e Gabi estava tratando ela, ou ele, com cavalheirismo e ansiedade. Em todos os encontros que tivemos, nunca me propus a fazer coisas assim, embora tenha pensado sobre algumas coisas e, em todos, Dani se expressou dizendo que o que tínhamos era perfeito.

Pra muita gente pode parecer totalmente sem sentido, ou até bobo, porque as pessoas tem a mania de querer medir os outros com suas próprias réguas, mas como já passei muito por isso, inclusive estando dos dois lados, fico me questionando a respeito do que tava acontecendo.

Como é ser uma pessoa trans? Como se sente uma pessoa trans? O que eles esperam? Eu não sabia, até porque, como já disse, aquela era a primeira vez que tinha contato com alguém assim... tudo isso era muito confuso pra mim, talvez pela falta de costume e não pela falta de informação, mas como ter mais conhecimento se não podia falar com a única pessoa que conhecia?

Só sei que, no final da noite, após atender mais um cliente e sentada no meu sofá, com minha cerveja em mãos e um prato de petiscos, tudo que mais queria, independente de qualquer coisa, era sentir seu cheiro em mim... respirei fundo... eu precisava suportar... precisava?


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