27- Condições

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Resolvi tomar um banho pra relaxar e fui pro banheiro. Era estranho pensar que estavam ao telefone, ainda mais sem saber com que tom estavam se falando. Gabi estava mesmo muito afim de Dani, mas me lembrei de suas palavras a respeito e fiquei apreensiva sobre suas questões... eu queria saber mais.

– Voltei. – Me disse ela ao entrar no box junto comigo.

Nos abraçamos, nos olhamos e, pensativa, disse:

– Queria entender melhor sobre você.

Vi seu semblante mudar em frações de segundos pra uma expressão apreensiva e pensativa. Fiquei com receio de ter tocado em um assunto sensível, até porque todas as vezes que falamos a respeito sempre foi em momentos complexos, como se fosse uma explosão de desabafo, mas, sei lá... eu queria saber.

– É ruim pra você falar sobre isso? – Perguntei.

– Não é que seja ruim, mas ainda é um assunto confuso e delicado.

– Se não quiser conversar sobre isso, tudo bem.

– Não, relaxa, posso falar sim. – Me respondeu.

Permanecíamos abraçadas, vale ressaltar, independente de ainda estarmos no box do banheiro, porque é sobre isso... casais fazem isso, eu acho.

– Então me diz, quando foi que você decidiu isso? – Perguntei.

– Então, essa questão não é uma decisão, eu na verdade venho entendendo o que já havia dentro de mim, mas que sempre tentei fingir que não existia, porque sempre quis me encaixar.

– Como você se sente, então? – Perguntei.

– Eu nunca me encaixei, mentalmente falando, e não entendia o porquê, e isso desde a infância, que era ainda pior, porque aí é que não entendia mesmo, mas nunca tive com quem falar a respeito, por medo de não entenderem... nem eu entendia. Eu sempre fui um menino, depois tentei me adaptar, tentei agir e pensar da forma que esperavam de mim, mas os anos passaram e comecei a me questionar a respeito de como me sentia, ainda mais porque hoje existe muito mais informação do que naquela época.

– Então você fingia ser o que esperavam?

– Não, eu realmente tentei ser, mas nunca consegui, tanto que cansei de sofrer bulling e ouvir gracinhas idiotas na fase adulta, porque nunca consegui ser genuinamente como as demais e devia ser bem visível isso em mim. Eu era religiosa e isso também foi um grande motivo de não conseguir me enxergar.

– Religião é sempre um problema mesmo. – Falei.

– Na verdade, depende, porque ela foi muito importante pra mim em outros aspectos, acho que a questão vai além porque a ideia é muito boa, mas a execução dela é que é foda. Enfim, levei muitos anos pra começar a me libertar dessas prisões, foram diversos processos pessoais e esse tem sido o atual.

– Você disse que é difícil alguém te querer, não foi?

– É, porque, foi o que falei, não adianta eu namorar uma lésbica e amanhã ou depois querer transicionar, não posso ser hipócrita, não vivemos num fantástico mundo da imaginação, a mulher lésbica tem atração por mulher e só ter uma genitália não me faz mulher, então se eu resolver mudar, minha aparência não vai agradar, então essa é uma ideia, por outro lado a mulher hétero também não vai me querer, seja antes ou depois da transição, então minhas opções diminuem... isso sendo muito realista. É chato ter que ficar explicando isso e outras coisas toda hora, não pra você, mas na vida, pra todo mundo, até porque tem gente que ainda quer tentar forçar ideias ao invés de só respeitar.

– Eu fico confusa, não sobre a ideia, porque to entendendo tudo que você ta falando, mas fico porque nunca tinha pensado a respeito... tudo isso, pra mim, é muito novo, porque saber é uma coisa, viver e conviver é outra. – Desabafei.

– Eu sei. – Sorriu, mesmo que parecendo triste.

– Mas e hoje, como você já se enxerga?

– Eu entendi que sou um homem trans, entendi que penso como homem e me sinto como um, embora não me orgulhe disso, – Riu. – mas é bom que seja assim, porque as pessoas ainda tem muito o que evoluir. Não sou melhor do que ninguém, não é sobre isso, é mais sobre mim mesmo, eu prefiro que seja assim, porque não gostaria de ser escroto, caso tivesse nascido biologicamente como um. Ainda pode ter muita coisa que não entendo, ou que vejo de forma diferente das demais pessoas, mas sei lá, esses são os meus sentimentos, então respondo por mim e não pelos outros.

– Não quer mesmo que te trate no masculino? – Perguntei.

– Não precisa, de verdade, prefiro não me apegar a isso pra não me irritar. – Riu. – Tem gente que vai forçar uma barra na hora de me tratar no feminino, mas tem gente que vai fazer sem querer e eu prefiro não pensar a respeito, pelo menos por enquanto, então quando alguém me trata no masculino isso me da um quentinho no coração, mas quando não tratam é como mais do mesmo, não me afeta.

– Acho que consigo entender você.

– Que bom, mas vamos sair daqui? – Sorriu. – Ta frio.

– Vamos. – Sorri.

Nos beijamos com muito carinho e isso foi muito bom. Saímos do banho e nos deitamos pra assistir alguma coisa, mas confesso que ainda fiquei refletindo em suas palavras e me lembrando de várias coisas que pensei e senti durante todos aqueles encontros.

Dani me procurou porque queria paz, foi o que entendi dentro de tudo isso, ainda mais quando diz que é chato ter que explicar isso e outras coisas o tempo todo. Lembrei dela dizendo que Gabi gostava de sua aparência e também de como Dani parecia desconfortável com o tratamento que ela tentava dar no bar.

Compreender e saber como agir são coisas totalmente diferentes, mas aquela conversa, unida às demais, pareciam clarear e muito os meus pensamentos, mesmo que, infelizmente, meus sentimentos continuassem os mesmos porque, tudo bem, é difícil pra ela/ele se relacionar com alguém, mas, no meu caso, também não era algo nada fácil... meu sustento saía da putaria, então quem me namoraria nessas condições?... acho que nem ela, mesmo que diga o contrário.


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