Capítulo 102

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Sophia havia escolhido um filme que as meninas odiaram e por conta disso, antes da metade as duas já estavam dormindo no sofá. Sorriu pras duas que com certeza davam menos trabalho estando adormecidas.

Voltou sua atenção ao filme e antes que realmente se concentrasse, ouviu passos leves pela casa.

Se desvencilhou do corpo adormecido das crianças e se alcançou o enteado na porta. Felipe a encarou com tristeza, claramente já estava arrependido da briga que teve com o pai.

— Onde é que você vai? — Perguntou já sabendo a resposta daquela pergunta.

— Micael me mandou ir embora, estou indo. — Deu de ombros, tentando mostrar firmeza naquela decisão, mas Sophia conseguia ver o quão confuso o jovem estava.

— Você deveria saber o quanto dói no seu pai ser chamado de Micael por você. — Se aproximou mais e segurou sua mão. — Meu amor, você e ele estavam muito nervosos hoje, tenho certeza que foi tudo da boca pra fora, das duas partes.

— Se ele não se importa com o que eu quero, eu não vou me importar com o que ele quer. Não tem direito de dizer com quem eu ando ou deixo de andar, a vida é minha, eu sei fazer minhas próprias escolhas.

— Você é um menino, Felipe. — Tinha a voz tão doce que Felipe se sentia abraçado toda vez que conversava com a tia. — Tem dezesseis anos e se acha esperto, mas é só um garoto que acabou de deixar de ser criança. Não é justo ser cruel com seu pai por ele querer apenas que fique bem, você chegou em casa fedendo a maconha.

— Não é crime fumar um.

— Não é, mas não vai me dizer que faz bem à saúde e que é isso que você quer pro seu futuro. — Ele suspirou.

— Tia, eu e Micael não podemos mais ficar debaixo do mesmo teto, a gente não se entende mais, então nem adianta me dar sermão, estou indo embora. — Deu um beijo na testa da tia, um abraço apertado. — Eu amo você. — Foi a última coisa que disse antes de cruzar a porta e sair.

Sophia ficou olhando o menino que saiu com uma mochila e o skate. Quando ele dobrou a rua, a mulher fechou a porta e subiu até seu quarto numa velocidade que nem ela sabia ser capaz de atingir.

Micael estava deitado na cama, no escuro, encarando o teto. Pensando no que tinha virado sua relação com o filho e em como tinha falhado em evitar o conflito direto quando viu sua esposa invadir o quarto ofegante.

— Aconteceu alguma coisa? — Se sentou alarmado mediante o estado da mulher. — Você está bem?

— Felipe foi embora. — Micael soltou um suspiro pesado e desviou o olhar da esposa ao se jogar pra trás e voltar a encarar o teto. — Ouviu o que eu disse? Ele saiu de casa!

— Escolha dele. — Sua voz era apenas um sussuro, mal era audível.

— Você o mandou ir embora num momento de raiva, ele tem dezesseis anos e está confuso, precisa mais do que nunca de orientação, ele precisa de você.

— Só Deus sabe o quanto eu amo o Felipe, mas se ele quer ir morar com o Lucas, deixa ele ir. Não podemos proteger as crianças do mundo, Sophia, ele precisa quebrar a cara e aprender com os erros dele.

— Ele não quis ir morar com o Lucas, você mandou! Ele foi de pirraça e nós sabemos disso. — Ela começou a chorar e levou a mão ao peito. — Eu não quero meu menininho perdido no mundo com esse suposto pai que não sabe impor um limite e vai deixá-lo fazer o que quiser. Lucas e Luiza não sabem ser pais, nós somos os pais dele!

— Vai dar tudo certo. — Se levantou pra acudir sua esposa e tentar acalma-la. — Felipe vai voltar para casa.

**

Felipe passou pouco mais de um mês sem ao menos telefonar para Sophia e Micael.

Sophia já estava entrando em desespero por não conseguir falar com ele, ligou para a irmã e até mesmo pra Lucas, mas ninguém parecia querer ajudá-la com isso.

Não era segredo pra ninguém que Lucas não sabia ser pai, ainda mais de um adolescente revoltado como Felipe. Sophia tinha certeza que aquela história de deixar o menino quebrar a cara não ia dar certo.

Afinal, ela só queria poder abraçá-lo e dizer que tudo ficaria bem, queria que voltasse a ser o menino meigo que sempre havia sido, mas parecia impossível.

Cansada de especular sobre o paradeiro de Felipe, um dia, após colocar as filhas no transporte pra escola, ela pegou a bolsa e foi até a casa de Lucas, prevendo que talvez ele nem a porta abrisse, mas precisava tentar.

Estava lá, tocando a campainha muitas vezes até que finalmente viu o homem abrir a porta e rolar os olhos.

— Onde está o Felipe? — Sophia perguntou antes que a porta fosse totalmente aberta. — Eu estou preocupada, faz um mês que não falo com ele. Você e Luiza não ajudam e não dão uma notícia.

— Felipe não quer falar com você, eu apenas respeitei a vontade do meu filho.

— Seu filho uma ova. — Ela então invadiu a casa gritando pelo novo do sobrinho. — Aparece, Felipe, você não vai fugir de mim pra sempre.

— Você está fazendo uma cena patética. — Lucas fechou a porta e deu risada, claramente estava sozinho em casa. — Não tem ninguém aqui além de mim.

— Onde está o Felipe? Não vê que estou desesperada?

Lucas então respirou fundo e arriou os ombros.

— Eu não sei onde ele está. — Sophia franziu a testa sem acreditar no que ouvia. — Última vez que Felipe esteve em casa foi há três dias.

— TRÊS DIAS?! — Ela berrou, a beira do desespero. — O menino desaparece e você não acha que nós precisamos saber?

— Ele não queria contato com vocês.

— Felipe é uma criança, pelo amor de Deus! — Levou as mãos à cabeça. — Ele se acha adulto, acha que sabe de tudo e que pode conquistar o mundo, mas só tem dezesseis anos! Quando uma coisa feito sumir três dias acontece você tem que avisar a gente!

— Ele vai aparecer de novo, não precisa surtar.

— "Não precisa surtar." — Ela repetiu descrente. — Sabe ao menos pra onde ele foi quando o viu pela última vez.

— Tinha ido encontrar uns amigos na sexta depois da escola, passou em casa pra pegar a mochila e foi, disse para que não o esperasse pra jantar. — Deu de ombros, ainda sem se preocupar com a situação.

— Eu juro que se algo tiver acontecido com o meu filho, eu vou meter você na cadeia por negligência! — Ameaçou e saiu daquela casa, não aguentava ouvir mais nada, estava muito nervosa.

Se trancou no carro e encostou a cabeça no volante. Quando finalmente se acalmou um pouco, após respirar fundo muitas vezes e contar até dez, buscou o telefone na bolsa e ligou para o marido, que não a atendeu.

Mais uma vez.

Outra vez.

Nenhuma resposta e jogou o telefone no banco.  

InevitávelOnde histórias criam vida. Descubra agora