Capítulo 65

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Flashback

O céu estava cinzento, ditando ao mundo que aquela manhã era triste, que até mesmo o sol, o ponto alegre do dia, se escondeu, porque estava indisposto para mostrar a sua luz. Meus olhos se atentavam aos pássaros pretos naquela imensidão de nuvens, estavam indo embora em bando, eles tinham uns aos outros, não viajavam sozinhos. Certamente não deixavam um para trás, sem explicação.

Fixei os pés no chão para ganhar impulso e assim me balançar. Encontrava-me no parque a frente da minha casa, mamãe disse que seria bom eu vim brincar com as outras crianças, mas vim aqui para chorar, enquanto as outras crianças se divertem no escorrega. Não entendo. Faz dias que meu pai não estaciona o carro e mesmo com a cara não muito boa, entra em casa. Gostava de vê-lo chegar, de observá-lo ler livros na poltrona da sala, mesmo que a minha presença não fosse tão importante para ele. Eu tinha um pai, a minha família era completa. Porém, na segunda-feira mamãe disse que papai tinha viajado, e hoje, sábado, ela falou que ele não voltaria mais. Então, me perguntei se não tinha sido uma boa filha, pois os pais de todos os meus colegas iam busca-los na escola. Menos o meu.

As lágrimas escorriam em minhas bochechas como se fosse uma cachoeira, enquanto agarrava mais forte o ferro do balanço. A tristeza tomava conta do dia, podia imaginar o céu chorando. Estava concentrada nos meus pés, que saltavam do chão, até uma voz bem reconhecida atingir os meus ouvidos. Por isso, deixo meus pensamentos de lado e paro por um instante, meu olhar se perde vagamente para o lado, onde a figura mais radiante que já conheci estava. Lá estava ele, com suas covinhas marcantes e um brilho nos olhos, segurando delicadamente algumas flores nas mãos — as mesmas que sua mãe costumava plantar no jardim de sua casa. Era uma visão tão familiar e acolhedora que por um breve momento me fez esquecer o peso que carregava. Ele se aproximava com passos leves, mas à medida que se aproximava, notei que seu sorriso, antes tão largo e sincero, começava a se desfazer. Algo parecia ter mudado, como se de repente ele tivesse percebido alguma sombra em meu rosto, algo que eu mesma tentava esconder.

— Para você — estendeu o que tinha nas mãos. A sua face parecia assustada com o que via e ao mesmo tempo curiosa para saber o que causava o meu rosto totalmente vermelho. Dylan sentou no balanço ao lado, ainda prestativo a mim.

— Obrigada — agradeci com um pequeno sorriso no rosto enquanto admirava as belas flores que me trouxe. A sua mãe já brigou com ele varia vezes por ficar arrancando flores de seu jardim, mas o garoto fazia isso toda vez que nos víamos.

— O que houve, Emma? — questionou em um tom preocupado.

— Eu não tenho família — neguei a cabeça, fixando o olhar para as minhas mãos.

— Ei... — chamou a minha atenção, para encará-lo — Você terá a mim e a sua mãe, nós lhe amamos muito –— disse, gentil, assim como costuma ser. Então, para me confortar, se levantou do balanço e estendeu as mãos para os lados, me chamando para um abraço.

Atualidade

Tudo parece está desmoronando, as paredes parecem tremer, assim como o teto está a um fio para cair em cima de mim. Aliás o mundo parece cair em cima de mim. E só de lembrar das palavras de Dylan naquela manhã, o meu peito ainda dói mais, pois agora a vida deseja me tirar os dois. Dylan já se foi, e fez quase igual ao meu pai, e a minha mãe. Ela... ela está doente. Respiro profundamente, tentando capturar alguma calma que tenha em meu interior, mas não acho, e o corpo continua trêmulo, sem capacidade alguma de se levantar e encarar aqueles papéis. Sou uma péssima filha, pensei. Como não percebi que estava doente? Não estou cuidando dela como deveria estar.

Os soluços se encontram constantes. Estava tentando reunir forças o suficiente para finalmente me erguer e sair do quarto, caminhando devagar, segurando nas paredes. As dores de cabeça, os remédios que tomava assim que chegava do serviço, eram sinais, e eu nem me preocupei o suficiente com isso, pois para mim seria apenas cansaço.
Meu celular vibra no bolso da calça, e eu atendo ele, à medida que descia as escadas.

— oi —  nem mesmo sabia com quem estava falando, pois nem sequer olhei direito para o nome do contato.

— Oi, Emma — respondeu, Liam. Respirei fundo a fim de disfarçar a voz de choro, porém, o rapaz é rápido e logo desconfia.

— O que aconteceu? Você está bem?

— Estou – minto, porque na verdade me encontro sem chão.

— Sei que não é verdade — disse, preocupado. — Estarei ai em meia hora — falou, e desligou em seguida.

Então, fui para a cozinha, pego um copo de água, no entanto, por falta de coordenação motora, o copo se despedaça no chão. Que droga! Passo as mãos nos cabelos, e recolho os cascos de vidro jogados no piso, e ao me erguer novamente, vejo o porta-retrato meu ao lado de minha mãe e do Dylan. Ele não estava aqui para saber o que está acontecendo e muito menos para me apoiar. Aliás, nem mesmo liga para saber como estamos. Aquele mesmo garoto que dizia que éramos uma família.

***

Quando abri a porta para Liam, e ele notou a minha situação, logo me abraçou. Eu realmente precisava disso, de algum conforto. Então, molhei a sua camisa com as minhas lágrimas.

— Eu não sei o que está acontecendo, mas tenho certeza que irá ficar tudo bem — afogou os seus braços e me olhou, enquanto uma de suas mãos limpava as minhas lágrimas.

— A minha mãe está doente — pressionei os lábios, depois de falar.

— Nossa, Emma — ele ficou sem palavras e me abraçou novamente —  eu imagino o quanto deve ser difícil para você — disse, sentindo a minha dor — Comeu alguma coisa? — perguntou.

— Não. E estou sem apetite — neguei a cabeça.

— Mas você precisa comer, Emma. Vou fazer alguma coisa para você — então me beijou — Você precisa estar forte para apoiar a sua mãe agora, ela vai ficar bem.

Então, seguimos para a cozinha, onde, meio atrapalhado, Liam preparava a comida. Até mesmo sorri algumas vezes.

***

Estávamos no sofá, um silêncio pesado preenchia o ambiente, quando finalmente a porta foi destrancada. Uma figura feminina entrou devagar, e no mesmo instante meu peito se apertou. O desejo de voltar a chorar me invadiu com força, mas eu me segurei. Respirei fundo, levantei-me do sofá, sentindo minhas pernas vacilarem levemente, e fui ao encontro da minha mãe.

— Mãe — chamei, minha voz soou calma, quase um sussurro, enquanto a envolvia em um abraço apertado.

— Nossa, que surpresa boa! — ela respondeu com uma suavidade que me desarmou, devolvendo o abraço com a mesma intensidade.

— Eu já sei de tudo, mãe. Você é muito forte — sussurrei, apertando ainda mais o abraço, como se quisesse protegê-la de todo o sofrimento que ela havia enfrentado. Eu não queria saber por que ela não havia me contado. Tudo o que importava era estar ali, com ela.

— Como você soube? O Dylan te contou algo? — sua voz carregava uma mistura de surpresa e preocupação.

Me afastei apenas o suficiente para olhá-la nos olhos.

— Eu vi alguns dos seus exames… espera… o Dylan sabia? — perguntei, sentindo uma leve confusão surgir dentro de mim, enquanto a ideia de Dylan estar envolvido me atingia com força.

- Calma, minha querida, vamos conversar – apontou para o sofá.

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