𝟏𝟗: 𝐋𝐨𝐮𝐜𝐮𝐫𝐚

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Página do diário roubado de Kaiden Volkov.

Data: 04 de setembro de 2020

Hoje, as Hunter cruzaram os portões da mansão como sombras que dançam na luz do entardecer. Falei ao meu pai que seu plano era uma loucura: forjar um casamento só para atrair nossos inimigos, uma armadilha decorada de promessas vazias. Capturar aqueles que guardam as respostas e eliminar os inúteis. Seria uma caça muito mais emocionante se fosse um jogo de predador e presa. No entanto, encontrei-me involuntariamente puxado para esse teatro insensato.

Quando elas chegaram, minha nova meia-irmã estava adormecida, aninhada no banco do carro, como uma criança perdida em um sonho. A pedido do meu pai, peguei-a nos braços e a levei para o quarto que a aguardava. Os fios da desconfiança vibravam dentro de mim; já havia instalado câmeras escondidas, vigilantes silenciosas, porque a traição pode ser tão suave quanto um sussurro na noite.

A deitei sobre a cama, e a visão de seu peito subindo e descendo, despreocupado, tomou minha visão. Ela estava tranquila, como se não soubesse que estava em uma toca de lobos famintos. Toquei seu rosto adormecido, a suavidade de sua pele fazendo meu coração acelerar. A beleza dela era como um mistério a ser desvendado, um enigma que eu nunca desejei resolver. Um desejo incontrolável me consumia. Eu quis ̶t̶o̶c̶á̶-̶l̶a̶ ̶m̶a̶i̶s̶.̶ Afastei minha mão dela e cerrei meu punhos. Q̶u̶i̶s̶ ̶t̶o̶r̶n̶á̶-̶l̶a̶ ̶m̶i̶n̶h̶a̶.̶ Naquele momento mordi meu lábio com força, tentando dissipar a confusão que se formava dentro de mim enquanto me sentava à beira da cama.

O que estava acontecendo comigo?
Por que essa estranha fascinação por alguém que nunca vi antes?
Não posso me render aos seus encantos, não posso. É uma armadilha, como tantas outras que me fizeram cair em desgraça. Mas, por que então meu coração bate descompassado, desafiando a lógica e a razão?
Decidi que a expulsaria daqui. Faria de tudo para que ela fugisse como uma rata, para que voltasse ao buraco de onde surgiu, o lugar de onde nunca deveria ter saído.


KAIDEN VOLKOV


Hudson Yards, Nova Iorque.
Sexta-feira, 01:00 AM.

     Trancado em meu escritório, envolto pela escuridão e pelo brilho frio das telas, eu assistia incansavelmente as imagens de Gabriella chegando ao país.

     Ela estava mais bela do que nunca, seus cabelos ruivos caíam em cascata sobre os ombros, mais longos do que eu me lembrava. A roupa preta que usava moldava seu corpo de forma impecável. Toquei a tela, desejando poder sentir sua pele novamente.

     Contive-me ao máximo nos últimos cinco anos para não digitar seu nome e rastrear sua localização por satélite. Lutei contra mim mesmo todos os dias para não pegar o primeiro voo e arrastá-la de volta.

      Sabia que tinha destruído a vida dela. Eu não tinha o direito de procurá-la ou pedir perdão.  Mas cada parte de mim ansiava por ela. Minha pele precisava do seu toque, meu nariz do seu cheiro único, meus ouvidos da sua voz, minha alma da dela. Eu necessitava dela para continuar enfrentando meus demônios internos, para encontrar o que restava de humanidade dentro de mim, o que havia se perdido quando as pessoas que eu mais amavam morreram diante dos meus olhos.

     Eu não imaginei que, ao arrancar tudo que ela tinha, também me destruiria. Ver suas lágrimas naquele dia infligiu uma dor em mim que me fez lembrar que eu tinha um coração, e que ela era a única capaz de machucá-lo.

      Mas não importa o quanto a desejasse, como um viciado anseia por sua próxima dose, eu não podia demonstrar meu interesse por ela. Pedir para morrer seria mais fácil. Sabia que se aquele homem suspeitasse outra vez que Gabriella Hunter era importante para mim, faria de tudo para dar um fim nela. Eu sabia bem disso. 

ᴍɪɴʜᴀ ᴅᴇsᴛʀᴜɪçãᴏOnde histórias criam vida. Descubra agora