Memórias

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O aroma de café invadia o quarto, acordando Juliana com uma suavidade quase mágica. Era um ritual matinal que ela já conhecia tão bem, mas que nunca deixava de aquecer seu coração. Desde que decidiram morar juntas, Camila assumira a rotina de preparar o café da manhã. Juliana, de início, achava desnecessário — "Podemos só comprar pão na padaria," dizia. Mas Camila insistia que as manhãs deveriam ser momentos especiais, e Juliana aprendeu a amar aquele cuidado.

O sol entrava pelas janelas com delicadeza, iluminando as paredes em tons dourados. Os sons da rua lá fora mal a incomodavam agora; a presença de Camila tornava tudo insignificante. Juliana sentou-se na cama, alongando-se lentamente, sentindo a luz tocar sua pele alva. Deu um suspiro tranquilo, ainda meio grogue de sono, mas profundamente confortável.

Ao se levantar, caminhou devagar até o banheiro, os pés descalços encontrando o piso frio. O reflexo no espelho a encarava enquanto ela escovava os dentes, ajeitava os cabelos desarrumados de um jeito que parecia casual, mas que Camila sempre elogiava como "perfeitamente bagunçado."

Quando saiu, os sons suaves de Camila movimentando-se na cozinha guiaram seus passos. Ao entrar na sala, o cenário era exatamente o que amava: Camila, de costas para ela, os cabelos verdes brilhando sob a luz do dia. Camila parecia completamente concentrada em sua missão, como se estivesse criando uma obra-prima.

Juliana sorriu e, sem dizer uma palavra, se aproximou em silêncio. Passou os braços ao redor da cintura de Camila, descansando a cabeça em seu ombro. O cheiro do café misturava-se com o perfume suave que Camila usava, e Juliana sentiu uma onda de felicidade calma, genuína.

— Esse café parece delicioso. — Juliana sussurrou, apertando Camila em um abraço apertado.

Camila virou o rosto, um sorriso brincando em seus lábios antes de beijar Juliana de leve.

— Bom dia, meu amor. — Sua voz era suave, mas carregada de alegria.

— Bom dia. — Juliana respondeu, deslizando para o lado de Camila, agora observando seu trabalho com curiosidade. — O que você está aprontando aí?

— Hoje eu resolvi ousar! — Camila disse com um brilho nos olhos, como se estivesse revelando o segredo de uma receita ancestral.

Juliana arqueou uma sobrancelha, a desconfiança evidente.

— Ousar? Isso não soa promissor.

Camila riu, mas não desviou os olhos do café que preparava com tanta dedicação.

— Estava lendo sobre experiências sensoriais no café... E pensei em tentar algo novo. Acerola e pêssego.

O queixo de Juliana caiu. Ela piscou algumas vezes, tentando digerir o que ouvira.

— Acerola e pêssego? No café? — Sua expressão de incredulidade rapidamente deu lugar a uma careta de nojo. — Isso só pode ser brincadeira.

Camila riu novamente, dando um pequeno salto no lugar.

— Você não confia em mim? Eu prometo que vai ficar incrível!

Juliana não respondeu de imediato, apenas abriu o armário à procura de um café instantâneo qualquer, pronta para salvar a manhã. Porém, antes que pudesse pegar a embalagem, Camila a deteve com um olhar fingidamente ofendido.

— Ei, o que você está fazendo? — perguntou, cruzando os braços.

Juliana virou-se lentamente, segurando o pacote de café solúvel como se fosse culpada de um crime.

— Pensei em preparar um plano de emergência... Só por segurança? — Ela sorriu, tentando amenizar a situação.

Camila estreitou os olhos, mas havia um brilho de diversão ali.

— Nada disso! — disse, arrancando o pacote das mãos de Juliana e colocando-o de volta no armário. — Agora você vai sentar e esperar. Prometo que vai amar.

Juliana suspirou teatralmente, mas obedeceu. Sentou-se à mesa, observando Camila se mover pela cozinha com a confiança de uma artista. Havia algo hipnotizante em vê-la assim, tão dedicada, tão cheia de vida.

Quando o café finalmente ficou pronto, Camila serviu duas xícaras e colocou uma diante de Juliana.

— Confia em mim. — disse, com o sorriso mais bonito que Juliana já vira.

Juliana levou a xícara aos lábios hesitante, mas, ao provar, surpreendeu-se. O gosto era inesperado, mas suave, doce, complexo.

— É... diferente. — admitiu, tentando não dar o braço a torcer.

— Isso é um sim, você gostou! — Camila comemorou, radiante, e inclinou-se para beijar Juliana na bochecha.

A lembrança parecia tão viva que Juliana quase podia sentir o calor do café em suas mãos. Mas o som das ondas a trouxe de volta ao presente.

Ela estava no mar, a água fria envolvendo seu corpo, enquanto cada vez mais se afastava da costa. O vazio em seu peito era insuportável. O cansaço em seus músculos a fazia afundar, e os pensamentos de Camila eram tudo o que restava.

"Se você está aí, Camis," pensou, as lágrimas se misturando à água salgada, "me espera."

Seus pulmões imploravam por ar, mas Juliana já não resistia. A escuridão começava a envolvê-la, enquanto a memória de Camila — e o amor que compartilhavam — se tornava sua última âncora.

O silêncio tomou conta.

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