Abismo

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O telefone caiu das mãos de Juliana, o som abafado no chão foi inaudível perto do rugido ensurdecedor em sua mente. Ela ficou paralisada, os olhos vidrados na tela que agora não mostrava mais nada além de um silêncio estático. As palavras de Sofia ainda ecoavam como trovões: "Foi um suicídio."

O chão parecia ter desaparecido sob seus pés, e o ar, denso e pesado, tornava cada respiração uma luta. Juliana apertou o peito como se pudesse conter a dor crescente, mas não havia contenção possível. Era uma onda devastadora, um tsunami interno que esmagava tudo em seu caminho.

— Não... — murmurou para si mesma, como uma súplica. — Não é verdade. Não pode ser.

O eco da frase se repetia, mas soava vazio, incapaz de preencher o espaço onde a verdade agora habitava. Juliana cambaleou até o sofá, caindo com o peso do corpo e da notícia.

"Você me deixou," ela pensava, sentindo o gosto amargo dessas palavras. Era como se as houvesse dito alto, como se gritasse para Camila em algum lugar invisível. "Como você pôde me deixar assim?"

A madrugada se estendeu ao redor de Juliana, mas ela não notou. Sentada no chão da sala, com os joelhos abraçados, o rosto enterrado nos braços, ela permaneceu imóvel enquanto a realidade se desenrolava como um filme doloroso em sua mente. Todas as lembranças vieram com força: os sorrisos de Camila, a forma como ela segurava sua mão, as conversas noturnas que pareciam não ter fim. E, então, o vazio.

"Por que você não me disse?" Juliana se perguntava, repetidamente. A frase cortava como uma lâmina afiada, arrancando pedaços de sua sanidade. "Eu teria feito qualquer coisa por você. Eu teria salvado você."

Mas ela não havia salvado. Essa era a verdade que agora pairava, imutável, sobre ela. Camila estava sofrendo — profundamente, silenciosamente — e Juliana não viu. Ou viu e ignorou? Ela não sabia mais. Cada pensamento parecia acusá-la, cada memória vinha carregada de uma culpa insuportável.

O relógio marcou as horas, mas Juliana não se mexeu. O telefone tocava sem parar, Sofia insistindo em falar com ela, mas Juliana não atendia. Não queria ouvir mais nada. Não podia ouvir mais nada. Cada toque era como um lembrete cruel de que o mundo continuava girando enquanto o dela havia parado.

Quando a manhã chegou, algo dentro de Juliana finalmente cedeu. Não era uma decisão consciente, mas uma força incontrolável que a levou a se levantar. Pegou um casaco qualquer, as chaves e saiu de casa sem olhar para trás. Era como se estivesse sendo conduzida por algo maior que sua própria vontade.

Na locadora de carros, a atendente perguntou para onde ela ia, e Juliana respondeu com um olhar vazio. Não havia destino. Não havia um plano. Pegou as chaves de um veículo qualquer e dirigiu. Dirigiu por horas, sem rumo, enquanto a paisagem mudava ao seu redor. Os pensamentos martelavam em sua mente, incessantes, como uma trilha sonora de desespero.

"Eu não mereço continuar."

Essas palavras vieram baixas, mas claras, enquanto o volante tremia em suas mãos. Era o único pensamento que fazia sentido agora. Se Camila, com toda sua luz, não havia conseguido ficar, o que justificava Juliana estar ali?

Quando a estrada finalmente a levou ao mar, ela soube que havia chegado. A praia onde tantas vezes estivera com Camila parecia intocada, mas agora tinha um ar diferente. Não era mais um lugar de alegria e tranquilidade; era um santuário de despedida. Juliana estacionou o carro e caminhou até a areia, deixando os sapatos para trás. O vento frio a envolveu, mas ela não sentiu. Não sentia mais nada.

O som das ondas era constante, uma melodia que parecia sincronizar-se com a dor dela. Juliana parou na beira do mar, os olhos fixos no horizonte.

— Camila, você está aí? — sussurrou, sua voz frágil sendo levada pelo vento.

Ela fechou os olhos e respirou fundo, o cheiro salgado preenchendo seus pulmões. "Se você está aí, Camis," pensou, "me espera."

Deu um passo à frente, e a água gelada envolveu seus tornozelos. Mais um passo, e a maré subiu até os joelhos. Não havia hesitação, apenas uma calma assustadora, como se finalmente houvesse encontrado uma direção.

Cada passo a afastava da terra firme, cada avanço a aproximava de Camila — ou assim acreditava. Quando a água chegou à altura do peito, ela parou e olhou para o céu, agora coberto por nuvens densas.

"Eu te amo," pensou, e deu o último passo, aquele que a tirou do chão. O mundo desapareceu enquanto ela flutuava, o corpo entregue à correnteza, a mente envolta em escuridão.

O som das ondas ficou distante, os pensamentos começaram a se dissipar. Seus pulmões imploraram por ar, mas Juliana não resistiu.

Naquele momento, havia apenas o silêncio.

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