Eram quase quatro da manhã quando o celular de Sofia vibrou incessantemente, quebrando o silêncio pesado da madrugada. Aquele som fora de hora parecia um prenúncio, uma premonição que a fez despertar sobressaltada. Tremendo e ainda incapaz de abrir os olhos por completo, ela atendeu a ligação.
— Sofie... — A voz de Juliana era apenas um sussurro, entrecortado por soluços. — Sofie...
— Ju? O que aconteceu? Tá tudo bem? — Sofia já estava fora da cama, vestindo-se apressadamente.
— É... é a Camila... — Juliana engasgou, como se pronunciar o nome fosse uma faca cravada em seu peito.
— O que tem ela? Onde vocês estão? Eu tô indo agora! — Sofia tentava passar firmeza, mas sua mente fervilhava em confusão e medo.
O silêncio de Juliana era ensurdecedor, quebrado apenas pelo som abafado de sua respiração irregular. Sofia não esperou por mais respostas. Saiu correndo, pegou as chaves e dirigiu-se ao apartamento de Juliana. Chamada telefônica no meio da madrugada só podia significar uma coisa: urgência.
Ao chegar, ela bateu na porta com tamanha força que seus punhos começaram a doer. Continuou a chamar por Juliana, mas não obteve resposta. A adrenalina fazia suas mãos tremerem enquanto discava novamente para Juliana, sem sucesso. Tentou Camila, mas sua ligação caiu diretamente na caixa postal.
— A galeria! — exclamou, um estalo de intuição atravessando sua mente.
Sofia correu de volta ao carro. As ruas desertas pareciam intermináveis enquanto ela acelerava rumo à galeria de Camila. O medo fervia em seu peito, mas não havia espaço para racionalizar. Ela precisava encontrá-las.
Quando abriu a porta da galeria, o lugar estava mergulhado em silêncio. As obras de Camila estavam ali, inacabadas, expostas em suas formas mais vulneráveis. Por um momento, parecia que nada havia acontecido. Mas então, um som baixinho chamou sua atenção. Um choro abafado, como um fio de vida preso no ar.
Sofia seguiu o som até encontrar Juliana ajoelhada no chão, o corpo de Camila em seus braços. A pintora parecia estar dormindo, mas a cena tinha algo de profundamente errado.
— Sofie, me ajuda! — Juliana soluçou, seus olhos inchados e desesperados. — Ela não tá acordando!
Sofia correu até as duas e se ajoelhou ao lado de Camila. Colocou o ouvido próximo à boca da amiga, na esperança de sentir sua respiração. Um fio de ar fraco tocou sua pele, mas era irregular e ruidoso.
— Alô, preciso de uma ambulância imediatamente! Galeria na esquina da Avenida Lótus! — disse ao telefone, sua voz estável apenas na superfície.
— Ela tá respirando? — Juliana perguntou, agarrando o braço de Sofia como se fosse sua âncora.
— Tá, mas é muito fraco. — Sofia olhou para o rosto de Camila, seus cabelos verdes desarrumados, uma lembrança viva de um dia recente. "Odeio essa cor", Camila havia dito, rindo. "Mas ficou bem legal, né?"
A memória veio como um soco no estômago, mas Sofia sacudiu a cabeça, voltando para o presente.
— O que aconteceu aqui, Juliana? — perguntou com firmeza.
— Eu não sei! — Juliana gritou, a voz tão quebrada quanto seus pensamentos. — Ela não voltou pra casa, então eu vim... eu... eu só encontrei ela assim!
Sofia voltou ao telefone, impaciente.
— Já faz cinco minutos que eu pedi uma ambulância. Cadê? — gritou.
— Estamos com muitos casos no momento. Talvez demore... — respondeu a voz monótona da atendente.
— Demorar?! Minha amiga tá MORRENDO aqui! — Sofia explodiu, a fúria cobrindo o pânico. — Alguém tem que vir AGORA!
Ao desligar, ela percebeu que Juliana a observava com olhos vazios, cheios de medo.
— O que tá acontecendo, Sofie? Você disse que ela tá respirando, né? — A voz de Juliana era frágil, quase implorando por uma confirmação que Sofia não conseguia sustentar.
Antes que pudesse responder, as portas da galeria se abriram com força. Os paramédicos entraram, trazendo com eles a promessa de ajuda.
— Aqui! — Sofia gritou, erguendo o braço.
— O que aconteceu? — perguntou um dos paramédicos, enquanto verificava Camila.
— Eu... eu não sei. Quando cheguei, ela já estava assim. — A voz de Sofia vacilou.
O olhar dos socorristas pousou em Juliana.
— E você? Sabe o que aconteceu?
— Eu... eu não... sei... — Juliana mal conseguiu falar, o rosto marcado por lágrimas e confusão.
Camila foi colocada na maca e levada para a ambulância. Sofia caminhou atrás, virando-se para Juliana.
— Eu vou com ela. Vá até o apartamento, pegue roupas para a Camila e nos encontre no hospital.
Juliana assentiu lentamente, sua mente ainda perdida na cena que havia testemunhado.
No apartamento de Camila, Juliana abriu o armário e começou a colocar roupas em uma mala, seus movimentos automáticos, como se fosse outra pessoa vivendo aquele momento. Mas sua mente continuava voltando ao corpo de Camila, imóvel, vulnerável.
— O que tá acontecendo? — murmurou para si mesma, agarrando o zíper da mala com força.
Quando estava prestes a sair, o celular tocou. Era Sofia.
— Sofie? — Juliana atendeu rapidamente, mas do outro lado da linha veio apenas uma frase, tão baixa quanto uma faca sendo cravada.
— Sinto muito, Ju...
O celular escorregou de suas mãos, caindo no chão com um som seco que ecoou pela sala silenciosa.

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Blue | ⚢
RomanceJuliana vive mergulhada em uma solidão que já parece parte de sua própria identidade. Desde a perda devastadora de seu grande amor, ela se isolou, convencida de que a dor é mais segura do que arriscar sentir novamente. As tentativas de suas melhores...