Doce Solidão

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Os meses se passaram desde aquele final de semana. Juliana havia decidido esquecer tudo o que aconteceu, focando em sua rotina e tentando seguir sua vida como se nada tivesse mudado. Seus dias eram preenchidos com trabalho, muito trabalho. Saía pouco, vivia no piloto automático, esperando que algo acontecesse, mas sem surpresas quando nada acontecia.

Seu foco no trabalho estava tão afiado que em pouco tempo ela alcançou diversas promoções, e hoje, ocupava um cargo de grande responsabilidade, analisando e divulgando os melhores artistas que cruzavam seu caminho. Estava em um ambiente profissional dinâmico, onde o trabalho nunca parecia parar, e Juliana se entregava a isso com intensidade.

Era sexta-feira, e suas amigas já haviam desistido de chamá-la para sair há algum tempo. Estavam cansadas de ouvir as desculpas e as esquivas de Juliana, que sempre se esquivava dos convites. Ela, por sua vez, estava satisfeita por saber que, naquela noite, não seria inundada com mais uma enxurrada de mensagens pedindo para ela se preparar para algo que não queria. O verão parecia ter acabado de repente, e desde aquele dia com Gabi, o tempo parecia sempre frio e aconchegante, como ela gostava.

Ao pegar um casaco e dar uma olhada no espelho, Juliana decidiu se arriscar um pouco. Fazia tempo que não fazia algo simples como sair à rua em busca de algo diferente para o café da manhã. Precisava de algo para quebrar a monotonia de seus dias solitários.

Ao abrir a porta, Juliana se deparou com Gabi, que estava se afastando do prédio. Ela estranhou, pois não ouviu ninguém batendo à sua porta.

– Gabi? – perguntou Juliana, tentando confirmar se era realmente ela.

– Oi, Ju – Gabi respondeu, parecendo um pouco envergonhada por ser pega naquele momento. – Eu ia bater na sua porta, mas imaginei que talvez você não quisesse visita, então desisti e estava indo embora.

– Entendi. Eu estava indo até a padaria procurar algo para o café da manhã. Quer me acompanhar? – Juliana sentiu uma leve confusão, mas ver Gabi ali a deixava receptiva.

– Aceito o convite – respondeu Gabi, visivelmente grata.

Ambas caminharam pelas ruas que já conheciam bem. Havia várias padarias por ali, mas Juliana seguia como se estivesse em um transe, guiada por um caminho quase automático. Ela parou diante de uma padaria pequena, que passaria despercebida para qualquer outro, mas que para ela tinha um significado especial. Sem dizer uma palavra, entrou e se dirigiu diretamente ao balcão.

Uma mulher de cerca de 40 anos estava em frente ao balcão e, ao ver Juliana, seu sorriso se abriu de surpresa.

– Juuu! – exclamou Clara, com os olhos brilhando de felicidade. – Achei que nunca mais fosse ver você aqui, senti tanto sua falta!

– Oi, Clara, bom dia. Como você está? Sua mãe melhorou? – Juliana sorriu, mas sua expressão estava distante, como se algo estivesse pesando em sua mente. Gabi apenas observava, sem entender muito bem a situação.

– Sim, mamãe melhorou, mas o médico proibiu ela de voltar a trabalhar aqui, então estou sozinha agora. – Clara respondeu com um suspiro leve.

– Fico feliz em saber que ela está bem – disse Juliana, com um sorriso sincero. – Pode separar aqueles doces que eu costumava pedir?

– Claro! Sempre deixo alguns guardados para você, mesmo sem saber se um dia você voltaria. – Clara sorriu, tocada pela lembrança.

Pouco depois, Clara entregou a Juliana uma sacola com uma variedade de doces que ela costumava pedir. Após o pagamento, Juliana e Clara trocaram um sorriso amigável enquanto ela saía.

– Não suma por tanto tempo de novo, viu? Vou deixar seus favoritos guardados aqui para quando você voltar. – Clara acenou, despedindo-se com um sorriso.

No caminho de volta para o apartamento, Gabi percebeu que, de alguma forma, estava atrapalhando o dia de Juliana, que parecia cada vez mais absorvida na solidão.

– Vou voltar daqui, Ju – disse Gabi, parando na porta do prédio.

– Como assim? Comprei doces para nós duas, eu jamais conseguiria comer tudo isso sozinha – Juliana parecia surpresa com a despedida repentina.

– Eu vim sem avisar, e claramente você tinha outros planos para o seu dia. Se você não se incomodar, podemos marcar outro dia, um que seja melhor para você. O que acha?

– Eu... achei que você fosse ficar. – Juliana se perdeu em palavras, mais uma vez sem entender a situação.

– Está tudo bem, Ju – Gabi disse, tentando ser compreensiva. – Podemos marcar para amanhã. É sábado, eu não trabalho. Podemos planejar algo, ou apenas ver um filme. Posso chamar a Sofia, e a gente faz algo como nos velhos tempos.

– É... pode ser. – Juliana forçou um sorriso, antes de esperar Gabi pegar o Uber.

Ao voltar para o apartamento, Juliana jogou os doces na mesa e caiu no sofá, sem forças para fazer mais nada. As lágrimas começaram a descer sem controle, enquanto seu coração parecia ser esmagado por uma força invisível. Ela não conseguia respirar direito, tudo ao seu redor parecia acelerar e girar em um turbilhão de emoções conflitantes.

O tempo passou em um borrão, até que Juliana apagou. O vazio tomou conta de seu ser, e ela foi engolida pelo silêncio da sua própria solidão.

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