Turbilhão

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Juliana acordou como se um enxame de martelos estivesse ecoando dentro de sua cabeça. Cada músculo de seu corpo protestava com uma dor surda, como se tivesse participado de uma batalha que mal conseguia recordar. Com esforço, abriu os olhos, e um feixe tímido de luz atravessou as cortinas, agredindo sua visão.

Ao ajustar-se à claridade, a realidade da noite anterior começou a tomar forma, ou pelo menos pedaços dela. Pequenos flashes, dissonantes e fragmentados, invadiam sua mente.

"Nunca quis tanto te beijar quanto quero agora..."

Juliana fechou os olhos novamente, o coração acelerando.

— Merda. — sussurrou, como se isso pudesse afastar o peso da lembrança que emergia.

Havia algo profundamente errado em tudo aquilo. Ela estava confusa, incerta se o que havia acontecido era real ou se não passava de uma projeção febril de sua mente embriagada.

"Você bebeu demais, Juliana... Ela também. Você cruzou uma linha que nunca deveria ter cruzado."

Sentou-se na cama, o olhar vazio perdido na penumbra do quarto. Por um instante, a confusão foi substituída por alívio ao virar-se e perceber que estava sozinha. Talvez tivesse sonhado tudo aquilo. Mas então, algo desconfortável espreitou em sua mente.

"Mas parecia tão real..."

Com os pés descalços tocando o chão frio, Juliana se levantou e caminhou até o banheiro. O espelho devolveu sua imagem, uma versão exausta de si mesma, os cabelos desgrenhados, a expressão assombrada.

— Foi um sonho. Só um sonho. — disse, como se precisasse acreditar em suas próprias palavras.

Mas os vestígios estavam por toda parte. O perfume de Gabi ainda impregnava o ar da sala. O pacote de pipoca vencido, cuidadosamente deixado no balcão, parecia zombar dela. Tudo indicava que Gabi estivera ali.

— O que eu fiz? — murmurou, deixando-se cair no sofá e encarando o teto, como se ele pudesse oferecer respostas.

O celular. Talvez ele pudesse lhe dizer algo. Levantou-se apressada, apenas para encontrar a tela apagada e o aparelho completamente descarregado.

— Mais que droga! — exclamou, sentindo o pânico apertar sua garganta.

Ligou o celular no carregador, mas sabia que não conseguiria esperar sem fazer nada. Decidiu tomar um banho, na esperança de que a água fria limpasse a confusão que a envolvia como uma névoa densa.

Sob o chuveiro, enquanto gotas geladas desciam por sua pele, Juliana começou a juntar os pedaços dispersos da noite anterior. Lembrava-se claramente de Gabi entrando no apartamento, da conversa sobre pipoca vencida e de risos que soaram tão fáceis e genuínos. Até ali, tudo fazia sentido.

Mas então... o beijo. Aquele beijo.

Juliana podia quase sentir novamente os lábios de Gabi, o calor, o gosto levemente adocicado, como se o momento ainda estivesse gravado em seu corpo.

"Isso aconteceu... Não foi?"

A dúvida se instalava como um intruso em sua mente. Se foi real, por que Gabi não estava ali? Ela havia ido embora sem dizer nada? Será que se arrependeu? Ou pior, será que foi tudo uma ilusão de sua mente emaranhada pelo álcool?

O som de uma notificação trouxe Juliana de volta ao presente. O celular, agora ligado, piscava com uma mensagem. Seu coração acelerou, dividida entre a necessidade de saber e o medo do que poderia descobrir.

Gabi: "Espero que tenha dormido bem. Precisamos conversar."

Juliana encarou a tela, o texto simples pulsando como uma batida surda.

"Precisamos conversar."

A frase ecoava, carregada de promessas e incertezas. Juliana sentiu as mãos tremerem ao segurar o celular. O que ela diria? O que Gabi diria? A confusão que sentia agora se transformava em um turbilhão.

No fundo, Juliana sabia que qualquer resposta viria com mais perguntas. E o que quer que tivesse acontecido na noite passada, real ou não, marcaria as duas para sempre.

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