O silêncio do apartamento foi interrompido apenas pelo leve zumbido do relógio de parede. Juliana permaneceu imóvel no sofá, os olhos perdidos no teto, enquanto as memórias se misturavam com as dúvidas do presente. Camila era um eco constante, mas Gabi... Gabi era um sussurro novo e incômodo, despertando nela algo que não sabia nomear.
Pegou o celular na mesa ao lado, verificando mensagens por reflexo. Nada de Gabi. Não que esperasse outra coisa. Gabi dissera que não a pressionaria e vinha cumprindo. Mas essa ausência a inquietava. Queria que Gabi insistisse? Queria que ela fosse embora de vez?
O peso do que sentia era esmagador. Fechou os olhos, e a cena da galeria voltou, cruel e clara.
O ambiente era vibrante, cheio de cores e vozes. Mas tudo parecia distante para Juliana. Estava absorta numa pintura — algo abstrato, com cores fortes e uma desordem que parecia refletir sua própria mente. Foi então que sentiu a presença de Gabi ao seu lado.
— O que você vê? — perguntou Gabi, os olhos castanhos fixos no quadro.
Juliana demorou a responder.
— Confusão. E você?
Gabi sorriu de canto.
— Eu vejo esperança. Uma bagunça que pode ser reorganizada.
Juliana desviou o olhar. A simplicidade daquela resposta era desconcertante, como tudo em Gabi.
De volta ao presente, Juliana sentiu o coração apertar. Não era justo. Não com Gabi, nem com Camila, nem com ela mesma. Sentia-se dividida entre duas realidades: a segurança do passado e o risco do presente.
Levantou-se do sofá num movimento brusco. Precisava de ar, de espaço para pensar. Pegou o casaco e saiu para a noite fria.
As ruas estavam silenciosas, as luzes dos postes lançando sombras longas e solitárias. Caminhou sem destino, os pensamentos fervilhando. As palavras de Camila ecoavam: "Se eu partir antes de você, quero que se permita ser feliz." Mas como fazer isso sem sentir que estava traindo tudo que tinham vivido?
Seus passos a levaram até o parque onde costumava ir com Camila. O lago estava ali, imóvel, refletindo as estrelas. Sentou-se num banco, puxando o casaco mais perto do corpo.
— Eu não sei o que fazer, Camis. — murmurou, como se a noite pudesse responder.
O tempo parecia não passar enquanto ela encarava o lago. Então, um som familiar a tirou dos devaneios: o toque de uma mensagem no celular.
Pegou o aparelho com as mãos trêmulas. Não era Gabi, era mais uma notificação de aleatória de algum aplicativo que Juliana nem lembrava.
— Estou tão cansada, Camis. — sussurrou, fechando os olhos.
Sentiu uma brisa leve tocar seu rosto, como um afago. Por um momento, imaginou que fosse Camila, um sinal de que ela a compreendia. Mas, ao abrir os olhos, viu apenas o parque vazio.
A ideia de voltar a ser feliz parecia tão distante quanto as estrelas refletidas na água. Ainda assim, algo em seu peito, pequeno e quase imperceptível, parecia querer acreditar que era possível.
Levantou-se, sentindo as pernas trêmulas. Caminhou de volta para casa, cada passo pesado, mas necessário.
Ao chegar, Juliana observou sobre o balcão um envelope que não se lembrava ser de Camila e que a muitos anos permanecia ali, intocado. Era parte de um conjunto de cartas que nunca havia tido coragem de abrir. Pegou o envelope com cuidado, o coração acelerado.
As palavras escritas com a caligrafia inconfundível de Camila pareciam pulsar na folha.
"Ju, se você está lendo isso, significa que algo deu errado. E, antes de qualquer coisa, quero que saiba: eu te amo. Mas quero que viva. Viva por nós. Porque em toda a minha vida eu só tive certeza de uma coisa, que você é a pessoa que mais amei, e que o mundo ainda tem excelentes memórias para te entregar."
Juliana parou, as lágrimas escorrendo sem controle. Apertou a carta contra o peito, sentindo uma mistura de dor e alívio. Talvez Camila estivesse certa. Talvez seguir em frente fosse uma forma de honrar o amor que tiveram.
O celular vibrou de novo. Dessa vez, era Gabi. Apenas uma mensagem simples:
"Espero que esteja bem."
Juliana encarou a tela, o dedo pairando sobre o teclado. Não sabia o que responder.
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Blue | ⚢
RomanceJuliana vive mergulhada em uma solidão que já parece parte de sua própria identidade. Desde a perda devastadora de seu grande amor, ela se isolou, convencida de que a dor é mais segura do que arriscar sentir novamente. As tentativas de suas melhores...