Adeus

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— Tá ansiosa pra hoje? — perguntou Juliana, o tom de sua voz leve, quase brincalhão, enquanto se jogava no sofá ao lado de Camila.

Camila hesitou antes de responder, os olhos fixos em algum ponto distante.

— Tô com um pouco de dor de cabeça — disse, a voz baixa e desanimada.

Juliana franziu o cenho, inclinando-se levemente em direção a ela.

— Quer ficar em casa, então? Não tem problema, sério. A gente pode remarcar. — Sua mão pousou no joelho de Camila, um toque sutil de cuidado.

Camila balançou a cabeça, forçando um pequeno sorriso que não alcançou os olhos.

— Não. Estamos planejando isso há meses, e você tá super empolgada. Eu não quero estragar nada.

Juliana suspirou. Não era a primeira vez que via aquele olhar perdido em Camila, mas havia algo diferente naquela tarde. Algo que parecia pesar mais. Sem insistir, ela se levantou e foi para a cozinha. Se Camila estava abatida, Juliana sabia exatamente como tentar animá-la: comida.

Com determinação, começou a preparar sua pipoca doce. Não era nada sofisticado comparado às receitas de Camila — que sempre transformava qualquer prato em arte —, mas Juliana colocava o coração em cada movimento. Enquanto mexia o açúcar no fogo, já tinha um plano maior. Pegou o celular e pediu comida mexicana, a favorita de Camila.

Quando voltou para a sala, encontrou Camila ainda absorta, os olhos vidrados no vazio. Ela nem notou que Juliana havia trocado a camisa por uma mais velha e confortável. Não fazia mal. Juliana queria que tudo naquele momento fosse acolhedor, familiar.

Minutos depois, ela apareceu diante de Camila segurando uma bandeja. Ali estavam a pipoca doce, alguns chocolates resgatados do fundo do armário, um copo d'água, refrigerante e um comprimido para dor de cabeça. Camila ergueu o olhar, surpresa, e levou a mão à boca quando viu o cuidado com que Juliana havia preparado tudo.

As lágrimas começaram a rolar silenciosamente pelo rosto de Camila. Sem dizer uma palavra, Juliana pousou a bandeja na mesa de centro, sentou-se ao lado dela e a trouxe para perto, envolvendo-a em um abraço.

Camila desabou.

— Eu não mereço você — murmurou, a voz embargada. — Não mereço nada disso.

Juliana a olhou com ternura, os braços ainda envolvendo-a com firmeza, como se aquele abraço pudesse segurar Camila em todos os sentidos.

— O que você tá dizendo? — perguntou, a voz calma e serena, embora o coração estivesse apertado. — Por que você acha isso?

Camila levantou o rosto, os olhos inundados de lágrimas agora brilhando de um azul intenso. Ela tentou falar, mas as palavras pareciam pesadas demais.

— Eu não mereço essa felicidade toda, Juliana. Não depois de tudo...

Juliana sentiu um nó se formar em sua garganta, mas não pressionou. Apenas segurou o rosto de Camila entre as mãos, olhando-a profundamente.

— Você pode me contar. Seja o que for, eu tô aqui, Camis. Sempre vou estar aqui.

Camila desviou o olhar, respirando fundo. Com um movimento repentino, enxugou as lágrimas com a palma da mão e se levantou.

— Eu... preciso ficar sozinha por um tempo, tudo bem?

Juliana também se levantou, tentando disfarçar a preocupação.

— Sozinha? Me deixa ir com você. Prometo que não vou falar nada, só quero ficar do seu lado.

Camila deu um sorriso triste e balançou a cabeça.

— Não precisa, Ju. Eu só preciso de um pouco de tempo, só isso. Eu vou ficar bem.

— Mas pra onde você vai? — Juliana perguntou, a ansiedade começando a escalar em sua voz. — Só me diz onde você vai, pelo menos.

Camila hesitou por um momento antes de responder.

— Na galeria. Só quero ficar um pouco lá. Nos vemos mais tarde, tá? — disse, inclinando-se para deixar um beijo na testa de Juliana.

— Claro. Me liga se precisar de alguma coisa, tá? — respondeu Juliana, tentando sorrir de volta. Não sabia que aquelas seriam as últimas palavras que trocariam.

Camila saiu, deixando um vazio que Juliana não conseguia explicar. Ela tentou afastar os pensamentos ruins, mas algo a incomodava profundamente. Talvez fosse o olhar de Camila, aquele brilho apagado que ela não conseguia ignorar.

Agora, tudo aquilo parecia tão distante quanto as luzes da costa que Juliana não conseguia mais enxergar. O mar gelado abraçava seu corpo, enquanto as memórias de Camila deslizavam por sua mente como uma última tentativa de agarrar-se a algo, qualquer coisa.

Juliana afundava lentamente, o cansaço físico e emocional a arrastando para baixo. Seus pulmões ardiam, mas ela não lutava mais. Não havia força. Não havia vontade.

"Camis, por que você não me deixou ajudar?" pensou, as últimas bolhas de ar escapando de seus lábios. "Por que você me deixou sozinha?"

De repente, uma voz cortou o silêncio do oceano.

— Ali! Eu a vi! Depressa!

Algo a puxava, e Juliana sentiu, pela primeira vez em muito tempo, um toque humano. Talvez ainda houvesse tempo. Talvez, para Juliana, houvesse uma segunda chance.

Mas ela não sabia se queria.

Blue | ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora