Solidão

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Os dias se arrastavam, e Juliana parecia presa em um ciclo infinito, como se o tempo houvesse perdido qualquer intenção de avançar. Estava exausta, mas era um cansaço diferente, um que vinha de dentro, como se a alma carregasse um peso que o corpo não conseguia suportar. Decidiu, então, voltar à única rotina que lhe era familiar: a solidão.

Acordava todos os dias sob o mesmo teto, sob o mesmo peso. O céu, que antes parecia um convite para o futuro, agora era apenas uma extensão do vazio que sentia por dentro. Do outro lado da janela, o cinza opaco das nuvens refletia exatamente o que Juliana era naquele momento: uma sombra pálida de si mesma. Ela passava longos minutos encarando o horizonte como se esperasse algo — talvez um sinal, talvez nada.

Quando finalmente deixava a cama, o movimento era quase robótico. No banheiro, escovava os dentes com os olhos fixos no chão, evitando o espelho como quem foge de um inimigo perigoso. Não queria ver quem havia se tornado. Vestia a primeira roupa que encontrava no armário, muitas vezes sem prestar atenção ao que estava fazendo, apenas para se arrastar até a cozinha.

Preparar o café era quase um ritual: aquecer a água, medir o pó, esperar o líquido escorrer pela cafeteira. Mas a familiaridade do gesto não trazia conforto; o aroma que antes aquecia o coração agora parecia vazio, tão vazio quanto a xícara que Juliana segurava por longos segundos antes de tomar o primeiro gole. Ela ficava ali, sentada à mesa, encarando o café como se pudesse encontrar respostas no escuro do líquido. Mas as respostas nunca vinham.

Depois de minutos — ou horas, era difícil dizer — ela finalmente se levantava e ia para o escritório. Ali, diante da tela do computador, Juliana se transformava. Tornava-se outra pessoa, alguém eficiente e metódica, analisando cada detalhe das artes que lhe eram enviadas. Era uma fuga, e ela sabia disso. Enquanto trabalhava, sua mente conseguia silenciar, as lembranças ficavam em segundo plano, e a dor, por um breve instante, parecia suportável.

Ao meio-dia, quando o estômago deveria dar sinais de fome, Juliana ignorava o relógio e o corpo. "Não há necessidade de almoçar," dizia a si mesma. Continuava no mesmo ritmo, como uma máquina, produzindo, revisando, corrigindo. O tempo passava sem que ela notasse, até que a luz artificial do monitor começava a irritar seus olhos. Era o sinal de que o dia de trabalho havia acabado.

Ela desligava os equipamentos com a mesma falta de entusiasmo com que os ligava pela manhã. O silêncio voltava a dominar o apartamento, denso, pesado, quase palpável. No banheiro, o banho noturno era o único momento em que permitia à mente divagar. A água quente escorria pelo corpo enquanto Juliana tentava, muitas vezes sem sucesso, não pensar em como havia chegado ali. O que antes era um lar cheio de vida e amor agora era apenas um espaço vazio.

Os cômodos do apartamento pareciam falar com ela, cada um guardando um fragmento de Camila. A sala, com o sofá onde costumavam assistir filmes, agora era um lugar de sombras. A cozinha, onde o aroma de refeições compartilhadas ainda parecia flutuar no ar, era apenas um lugar onde Juliana preparava o café da manhã que quase nunca bebia. O quarto, por sua vez, era o mais difícil. Ali, a ausência de Camila era gritante, sufocante. O travesseiro dela ainda estava no mesmo lugar, e às vezes, na escuridão da madrugada, Juliana o abraçava, tentando capturar um vestígio do perfume que já havia desaparecido.

Recusava-se a atender o telefone, mesmo quando o nome de Sofia ou Gabi aparecia na tela. As mensagens, que no começo traziam preocupação e carinho, tornaram-se cada vez mais esparsas, até desaparecerem completamente. Era melhor assim, pensava Juliana. Não queria explicar, não queria ouvir que "tudo vai ficar bem". Não ia.

Os dias viraram semanas, e as semanas, meses. Juliana não era mais a mulher que havia sido antes. Olhar no espelho era um ato de coragem que ela não tinha. Evitava refletir sobre quem era porque sabia que não encontraria nada além de um rosto cansado e vazio.

Às vezes, no silêncio absoluto da madrugada, permitia-se chorar. Eram lágrimas silenciosas, quase tímidas, que escorriam pelo rosto sem controle. Não havia soluços, apenas um fluxo constante, como uma torneira pingando em um ritmo monótono. Abraçava o travesseiro e murmurava palavras para Camila, palavras que não faziam sentido, mas que pareciam ser a única forma de preencher o vazio.

Naquela manhã, depois de mais uma noite de choro e vazio, Juliana recebeu uma ligação inesperada. Atendeu sem pensar, os dedos trêmulos. Do outro lado da linha, a voz formal e hesitante de Sofia trouxe uma verdade devastadora:

— Camila... Ela... Foi suicídio.

Blue | ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora