Assim que entraram no apartamento, Sofia foi direto para a cozinha. Abriu a geladeira com uma urgência que contrastava com o silêncio do ambiente, os olhos fixos na missão de encontrar algo que ajudasse a aliviar o hematoma que começava a se formar na testa de Juliana.
Juliana a observava da sala, sentada no sofá com a mão sobre a testa dolorida. Era estranho ver Sofia ali novamente. Fazia anos que ela não pisava naquele apartamento. Era como se um objeto familiar, há muito perdido, tentasse encontrar seu lugar em meio a uma nova e desconexa decoração.
— Você não tem gelo aqui? — perguntou Sofia, revirando gavetas e prateleiras como se procurasse algo precioso.
Juliana suspirou, visivelmente desconfortável.
— Acho que esqueci de repor desde a última vez que usei.Sofia parou e a olhou com uma mistura de cansaço e preocupação.
— É um milagre você estar viva morando sozinha. — O tom era ríspido, mas Juliana sabia que esse era o jeito peculiar de Sofia demonstrar cuidado. — Achei isso aqui. — Sofia ergueu uma peça de carne congelada. — Vai ter que servir. Ou a gente vai pro hospital.— Sem hospital — respondeu Juliana imediatamente, com uma firmeza que não deixava margem para negociação.
Sofia sentou-se ao lado dela no sofá, segurando a carne como se fosse uma relíquia improvisada. Seus olhos pousaram em Juliana, cheios de curiosidade, mas também de um peso acumulado por anos de silêncio. Era difícil saber por onde começar depois de tanto tempo sem uma conversa verdadeira.
Juliana percebeu o olhar de Sofia e quebrou o silêncio primeiro.
— Pode perguntar.Sofia hesitou, mas não por muito tempo.
— Por que você foi lá? — A pergunta saiu em um tom direto, quase casual, mas carregada de significado.Juliana inclinou a cabeça para frente, pressionando a carne congelada contra o hematoma enquanto encarava o chão.
— Eu já te falei. A Renata disse que venderia o lugar e pediu pra eu ver se queria alguma coisa de lá.Sofia balançou a cabeça, impaciente.
— Eu ouvi isso da primeira vez. O que quero saber é por que você quis ir até lá.Juliana ergueu o olhar e encontrou os olhos de Sofia. Havia algo em seu olhar que parecia implorar para não precisar dizer em voz alta o que ambas já sabiam.
— Eu precisava ver aquele lugar de novo. Você sabe por quê.Sofia desviou o olhar, fixando-o no pote de biscoitos no balcão. Sua voz soou baixa, quase um sussurro.
— Não, eu não sei. Você nunca me contou nada.Juliana sentiu um aperto no peito. Ela sabia que havia afastado todos que um dia se importaram com ela, mas perceber o quanto Sofia, sua amiga mais antiga, havia sofrido, doeu mais do que esperava.
— Me desculpa, Sofie. — Sua voz tremia enquanto os olhos marejavam. — Eu nunca parei pra pensar que você podia estar sofrendo tanto quanto eu.Sofia levantou-se do sofá e foi até o balcão, sentando-se em um dos bancos sem olhar para Juliana. Ficou ali, imóvel, tentando conter as lágrimas que ameaçavam transbordar.
Juliana continuou, a voz falhando.
— Foi tudo tão difícil. Eu não enxergava nada além da minha própria dor. Eu... eu não sei como me desculpar por nunca ter ido atrás de você.Sofia finalmente falou, ainda de costas.
— Ela era minha amiga também, Juliana. Minha melhor amiga.Uma lágrima silenciosa caiu no balcão, mas Sofia não se moveu para enxugá-la. Juliana ficou em pé, hesitante, e deu alguns passos na direção da amiga.
— Eu sei. Nós duas perdemos naquela noite.Sofia virou-se lentamente, o olhar carregado de mágoa.
— Sim, nós perdemos. Mas ninguém nunca imaginou que a amiga ficaria tão devastada quanto a namorada.Juliana parecia envergonhada, os olhos baixos.
— Eu sinto muito, Sofie. De verdade.Sofia respirou fundo, tentando conter a emoção em sua voz.
— Eu também sinto. — Pegou a bolsa que havia deixado na poltrona ao entrar. — E, por favor, não volte naquele lugar sozinha de novo.Antes que Juliana pudesse responder, Sofia já havia saído, deixando a porta bater suavemente atrás de si.
Juliana ficou ali, em pé no meio da sala, segurando a peça de carne congelada que já começava a descongelar. Pela primeira vez em muito tempo, sentiu que o peso de suas escolhas começava a cair sobre ela. O apartamento, antes um refúgio, agora parecia mais vazio do que nunca.
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Blue | ⚢
RomansaJuliana vive mergulhada em uma solidão que já parece parte de sua própria identidade. Desde a perda devastadora de seu grande amor, ela se isolou, convencida de que a dor é mais segura do que arriscar sentir novamente. As tentativas de suas melhores...