Lacuna

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Por que estava fazendo aquilo? Essa pergunta martelava na mente de Juliana enquanto encarava o chão em frente ao espelho, as mãos ainda trêmulas de uma ansiedade que não conseguia definir. Não estava bem. Talvez nunca tivesse estado tão mal. Então, por que tinha aceitado sair? Uma tentativa desesperada de entender Sofia, que na noite anterior parecia devastada, mas agora estava estranhamente animada? Ou era por Gabi, a única alheia a tudo que havia acontecido, cujo sorriso sempre carregava um conforto que Juliana não sabia se merecia?

Ela se encarou no espelho, a testa franzida de confusão.

— Por que estou fazendo isso? — murmurou para si mesma.

Foi quando a voz de Camila ecoou em sua memória, arrastando-a para um momento perdido no tempo.

"Você está absolutamente linda hoje, Juliana. Mas vermelho... ah, vermelho te deixa irresistível."

O tom brincalhão, o olhar travesso, e o riso de Camila pareciam tão próximos que Juliana quase podia sentir o calor da presença dela.

— Você era uma idiota — murmurou com um sorriso amargo, ajustando o moletom preto que usava.

Mas antes de sair, hesitou. Tirou o moletom e, quase como num ato automático, vestiu uma camisa vermelha. Respirou fundo e saiu antes que mudasse de ideia.

O bar não foi difícil de encontrar. Era o mesmo da última vez. "Menos uma novidade para lidar hoje," pensou enquanto empurrava a porta e avistava Sofia e Gabi sentadas à mesma mesa de sempre.

— Juliana? — A voz de Sofia transbordava surpresa. Ela levantou-se rapidamente, caminhando em direção a Juliana com um sorriso que parecia dividir sua face. — Você tá de vermelho?

— Para com isso. Estou normal.

"Não, você está sexy," a voz de Camila invadiu novamente seus pensamentos.

— Acho que nunca vi seus braços de verdade. — Sofia a observou, fingindo escândalo. — Meu Deus, você precisa de uma praia.

Juliana riu sem graça, sentindo-se desconfortável sob o olhar exagerado de Sofia. Ao chegar à mesa, Gabi olhava para ela boquiaberta.

— Oi, Gabi.

— Fecha a boca, Gabi, não tem nada demais aqui. — Sofia piscou.

Juliana sentiu uma pontada de irritação. "O que ela está fazendo?" Sofia parecia deslocada, uma versão exagerada de si mesma que Juliana não reconhecia.

— Minha boca nem tava aberta — respondeu Gabi, revirando os olhos. — Oi, Ju.

— Então, Gabi, você estava com saudade da gente? — perguntou Sofia, inclinando-se sobre a mesa.

— Faz tempo que não nos vemos e, bom, estou sem nada para fazer. Pensei: "Por que não?"

— Então somos sua válvula de escape quando você está entediada? — Sofia ergueu uma sobrancelha, brincalhona.

Juliana assistia à troca, mas sua mente divagava. A forma como Sofia transitava de um estado a outro era inquietante. Como ela conseguia agir assim depois de tudo? Será que era sempre assim e eu nunca percebi?

— Juuuu! — Sofia e Gabi gritaram juntas. — E aí, vamos beber?

A noite seguiu em ritmo frenético. A música alta competia com as risadas e conversas improvisadas. Gabi falava com paixão sobre um filme que tinha assistido, enquanto Sofia gargalhava das descrições elaboradas de Juliana sobre um drink bicolor.

— Para de rir de mim! Olha isso, a mistura de cores é incrível. — Juliana, visivelmente bêbada, olhava fixamente para o copo.

— Você é maluca. — Sofia virou uma dose de tequila. — Maluquinha.

— Não fala assim dela! — Gabi interveio. — É fofo o jeito que ela fala sobre arte.

— Não caia no papinho dela, Gabi. — Sofia sorriu de lado. — Essa aí é boa com palavras.

— Eu não tô de papinho com ninguém, Sofia. Só estou admirando a genialidade de quem pensou em fazer isso. — Juliana voltou a encarar o drink, o rosto iluminado por um fascínio pueril.

— Ah, não! — Sofia jogou a cabeça para trás, fingindo exaustão. — A criança precisa ir para a cama.

— Você não é minha mãe. — Juliana arrastava as palavras. — Eu não vou!

— Eu tô ótima, tá? — protestou Gabi, que realmente parecia muito bem, considerando tudo o que havia bebido.

A discussão continuou em tom de brincadeira, prolongando a noite por mais algumas horas. Sofia, no entanto, parecia estar em controle. Mesmo com o álcool, havia algo calculado em seus gestos, algo que Juliana não conseguia decifrar.

Por fim, Sofia decretou o fim da noite.

— Tá tarde. Vocês são velhas. A ressaca vai matar amanhã, confiem em mim.

— Tá bom, mamãe. Eu vou. — Juliana riu, procurando a carteira.

— Eu pago e você me manda depois. — Sofia pegou o celular de Gabi, digitando o endereço do Uber para ambas. — Pedi para as duas. Primeira parada, sua casa, Ju. Depois, Gabi. Certo?

Ambas assentiram, mais cansadas do que bêbadas àquela altura.

Enquanto Gabi entrava no carro, Juliana parou por um momento. Observou Sofia afastar-se em direção a outro carro. Não parecia um Uber, e Juliana sabia que Sofia não tinha ninguém especial na vida. Ou tinha?

Aquilo a incomodou, mas ela se deixou levar pelo cansaço. Entrou no carro e fechou a porta, o vermelho de sua camisa refletindo na janela enquanto olhava para a noite lá fora. Por que tudo parecia tão desconexo?

4o

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