5 - All the thing she said running through my head

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Os dias passavam enfadonhamente devagar nas masmorras. Se não fossem os livros e a minha vizinha faladora, morreria de tédio. Embora esta última, vez ou outra, me deixasse mais irritadiço do que entretido.
    Aredhel, além do hábito de ler, também adorava cantarolar. Algumas músicas, as sem letra, eu até tolerava, mas as demais tinham letras melosas e cheias de drama. Esse hábito de cantar e as perguntas sobre runas, apesar de me ocuparem, interromperem minhas leituras e as vezes me deixaram mal-humorado, até me distraiam um pouco. Já estava ficando acostumado com a presença dela.
    Uma vez ao ouvir ela murmurando uma melodia, fiquei curioso.
    - Que música é esta? Ela não possui letra? - perguntei.
    - Ah.. É "O Lago dos Cisnes" de Pyotr Tchaikovsky. Não tem letra porque é um balé - respondeu.
    - Balé? O que seria isso? - perguntei curioso.
    - Bom, é um estilo de dança, uma apresentação, cuja melodia é um tipo de música erudita ou clássica, como também é chamada. A música erudita inclui também concertos, sinfonias, óperas e outros - contou empolgada.
    - Mas esses outros que você citou também são apresentações de dança? - questionei.
    - Não. Concertos e sinfonias são tocados por um grupo de músicos, chamado de orquestra. As óperas são dramas encenados acompanhados por música. Eu sei que parece meio complicado, mas são lindos. Enfim, seria melhor você poder ver para entender melhor - explicou.
    - A melodia é muito bonita, tenho que admitir - comentei.
    - É uma das minhas prediletas - sorriu. - Tenho até uma caixinha de música com esta melodia. Que tipo de música vocês tem aqui? - inquiriu.
    Mal sabia eu que essa era só uma pequena amostra das perguntas que viriam com o tempo.
    Com o passar dos meses as perguntas de Aredhel passaram a ir além de runas, palavras e estilos musicais. Agora que já conseguia ler boa parte dos livros, começara a questionar as lendas que ouvira em sua Midgard. Havia momentos em que eu me perguntava o que se passava na cabeça dos Midgardians que escreveram sobre essas lendas. A maioria era versões absurdas ou disparates sobre nós e Asgard, um verdadeiro acinte. No final tive que começar a contar boa parte das histórias que ouvira Frigga contar quando criança ou que eu havia lido.
    O problema é que ela não só altercava a versão de Midgard, mas também a minha versão. Qualquer julgamento que eu fazia de algum povo ou batalha ela levantava uma questão. Sempre buscava formar sua própria opinião sobre o que eu lhe narrava. Ela nunca tomava algo como irrevogavelmente verdadeiro ou fato incontestável. Ela debatia inclusive as próprias crenças.
    - Você não se cansa de sempre questionar tudo? - perguntei uma vez a ela.
    - Não - ela riu. - Eu acredito que no mundo que conheço não há como alcançar a verdade de forma absoluta. Algo é tido como verdadeiro até o momento em que se prove que ele é falso. Então não importa há quanto tempo algo seja tido como fato - gesticulava. - Um dia pode deixar de ser verdade quando surgir um fato que o contradiga. Então por esse motivo sempre tento manter a mente aberta a todo tipo de conhecimento. Por isso gosto tanto de ler  - completou toda convencida.
    - E sobre o que gosta de ler? - inquiri.
    - Sobre o que puder vir a ser útil. Sobre tudo - disse em meio a um sorriso.

    Ela também passou a me falar de Midgard. Sempre me explanava como eles encaravam alguns fenômenos que não conseguiam explicar. Exemplificou as formas como resolviam suas questões sem o uso de magia. Bem como se organizavam política e culturalmente. Também me falara sobre as crenças dos midgardians a respeito de deuses e como isso influía no comportamento social e, até mesmo, na política deles. Contou-me sobre as guerras e demais conflitos que Midgard já passara. Falava-me sobre história, ciência, tecnologia, música e muitas outras coisas de lá. Eu começava a ficar pasmo com a inteligência e a perspicácia dela.      
    Todos os dias havia um novo interrogatório. Uma nova troca de informações. Entretanto até o presente momento as perguntas ainda não eram pessoais. Mas pelo jeito era apenas uma questão de tempo. Certa noite o assunto veio à tona, mas não imaginei até onde poderiam chegar.
    - Quando você disse a Odin, que agora sabia por que sempre foi tratado de maneira diferente, o que você quis dizer? Como você era tratado? - Aredhel perguntou de repente.
    - Você não acha que a sua curiosidade está indo longe demais? Eu não costumo falar de mim para estranhos - respondi tentando em esquivar.
    - Mas eu não sou estranha... Você me conhece, eu sou sua amiga - ela rebateu de volta, exibindo um sorriso cínico no rosto.
    - Amiga? - ri. - Eu não tenho amigos. E porque seria amigo de você? Que vantagem me traria? - retruquei em tom de ironia.
    - Bom... Não vejo amizade como algo que você teria que tirar vantagem - ela torceu o nariz. - Vejo a amizade como a ideia cumplicidade, compartilhar a companhia e segredos. Ter alguém com quem contar nos bons e maus momentos. Alguém gostar de você pelo que você é - dizia sonhadora. - Eu vou com sua cara, gosto de você do jeito que é - deu um sorriso torto. - Eu lhe ajudei, embora não tenha dado muito certo - mordeu os lábios. - Mas agora compartilhamos a mesma pena. Deveria aproveitar que terá, pelo menos por algumas décadas, a minha companhia, depois terá que se virar com o que vier para cá ou ficar solitário - falou de forma despreocupada, em meio a um sorriso.
    - Às vezes estar só é melhor que estar mal acompanhado - fui ácido.
    Aredhel deu de ombros. Parece que nada ríspido que eu dissesse a deixava com raiva. Ela baixou a cabeça por um tempo e depois voltou a falar.
    - Eu comecei a sentir as diferenças entre meu irmão e eu ainda criança. Eu era uma boa filha, obediente, organizada, estudiosa, mas meu pai nem parecia notar. Meu irmão era o contrário, cada sucesso dele era comemorado. Meu irmão não era nada obediente, era impulsivo, arrogante, desorganizado, sempre enfrentava meus pais para conseguir o que queria... Sempre dono da verdade - fitava o chão - Eu e meus pais não compartilhamos as mesmas preferências. Temos gostos e valores bem diferentes, principalmente meu pai e eu. Sempre me senti meio deslocada na família. Se eu não tivesse certeza de que sou filha legítima pensaria até que era adotada - falou calmamente. - Meu pai sempre questionou meu comportamento. Uma vez chegou a dizer que queria que a filha fosse normal e não uma "estranha" - pareceu ficar triste.
    Fiquei a observando em silêncio por alguns instantes. Aquela história era bem familiar. Percebi que sabia exatamente como ela se sentia. Parecia que realmente tínhamos histórias parecidas.
    - Sem contar que quando eu desejava algo e pedia ao meu pai, eu sempre recebia um não como resposta, mas meu irmão não... - senti amargura em sua voz. - O que Will desejava era uma ordem. Papai fazia todas as vontades dele. Por conta disso eu tive que aprender a me virar.. - deu um sorriso malicioso.
    - Tipo? - perguntei. Aquilo estava ficando interessante.
    - Sempre que eu queria algo, eu convencia meu irmão a pedir isso para nosso pai - meneou a cabeça mantendo o cinismo no rosto. - Nem sempre era fácil, pois sempre tivemos gostos diferentes. Mas eu aprendi a contornar as situações. Eu fazia meu irmão pedir para nosso pai o que eu queria e, assim, conseguia alcançar meus objetivos - disse meio rindo.
    - Ora, ora, Aredhel.. Então você era manipuladora desde pequena? - provoquei-a.
    - É.. Afinal como se consegue convencer as pessoas a fazerem algo que desejamos sem ter que usar a força? - encarou-me. - Manipulação é o melhor caminho para se dominar, melhor do que a força. Tenho certeza que sabe disso como ninguém. Pena que você optou por não ir por esse caminho - arqueou as sobrancelhas.
    - O que você quer dizer com isso? Aonde você quer chegar com esta conversa? - encarei-a de volta.
    - O que realmente quero dizer é que sua estratégia na Terra foi errada - falou muito segura. - Você tentou dominar eles pela força. Se tivesse sido menos prepotente, teria percebido que eles gostam de acreditar que estão no comando, que eles escolhem quem os governa e que possuem a liberdade de fazer isso. Claro que mal percebem que são manipulados e que tudo isso não passa de uma ilusão. Como você mesmo disse, a liberdade é a maior das mentiras - sorriu de lado.
    Aredhel era atrevida demais. Irritava-me muito quando Aredhel questionava minhas estratégias e planos. Mas estava disposto a saber o que ela acreditava saber mais do que eu.
    - Se é tão esperta, então me diga qual seria a melhor estratégia? - perguntei meio impaciente.
    - Não está óbvio? - provocou-me. - Tornar-se necessário - balançou as mãos. - Você tinha que fazê-los desejar que você os governasse - ergueu os ombros.
    - Continue - pedi contrariado.
    - O ideal seria você ter feito um plano para que você saísse como herói. Como o "deus" benevolente que salvou o mundo - fez uma expressão dramática. - Poderia ter usado os Chitauri para atacar a Terra, mas no momento certo chegaria e salvaria o dia! - empolgou-se. - Você tinha que ver como os Avengers foram ovacionados por terem salvo Nova York - riu. - Claro que o Conselho de Segurança, assim como aconteceu com os Avengers, provavelmente veria você como uma ameaça a eles. Ao controle que eles exercem sobre as nações - revirou os olhos. - Mas você teria o povo, toda a humanidade, ao seu favor. É assim que os próprios governantes da Terra agem. É dessa forma que eles controlam as massas. Mostrando que zelam pelo bem-estar de seus governados. Provando que sempre são necessários. Mesmo que, algumas vezes, tenham que criar situações para relembrar a todos disso - concluiu calmamente.
    Fiquei chocado. Eu tinha que admitir, Aredhel tinha uma astúcia admirável para uma Midgardian. Era mentirosa e manipuladora, mas muito inteligente. Eu começava a gostar da companhia dela.
    Dei um longo suspiro. Ela se calou e voltou a pegar um dos livros.
    - Odin também não se interessava por meus avanços na magia - comecei. - Ficava mais feliz com a evolução de combate de Thor. Ele sempre brilhava nesses tipos de combates brutais. Já eu, sempre preferi desenvolver meu intelecto. Somente Frigga admirava meus avanços... - confessei.
    Aredhel ergueu a cabeça e toda sorridente.
    - Agora somos amigos? - perguntou animadamente.
    Eu deixei escapar um sorriso. Aredhel era extremamente insistente.

A mulher do meu destino (Loki e Tom Hiddleston Fanfiction)Onde histórias criam vida. Descubra agora