Ele finalmente abre os seus olhos. Quando ele faz isso, é como se uma música começasse a tocar.
Você já deve ter ouvido uma música assim. A música é embalada por dois instrumentos, duas vozes, duas dançarinas. Às vezes é piano e canto, outras violino e tambor, ou uma mistura disso. Outros instrumentos se juntam eventualmente à música, mas quem pegou você, quem te guia e te confunde, quem te leva e te traz, são essas dançarinas.
Elas vão lá dentro de você e arrancam o seu coração. Depois dançam para longe, mas não longe demais, apenas o suficiente para você não perder a esperança, conforme você rasteja aos poucos, o sangue se acumulando atrás de você, esgotando toda a força que você tem indo atrás delas. Num estado piedoso, elas giram de volta para você, até você perceber que o seu coração não está mais em suas mãos ensanguentadas.
Se desde o começo da música seus nervos estavam à flor da pele, suas emoções agora alcançam um novo patamar. Cada passo, cada tom é uma corda que vibra o seu presente mas oculto coração, sobre o qual você não tem mais nenhum controle ou censura. Pareceria sábio parar a música nessa situação, mas você percebe não só que tem mais dançarinas, como está embalado junto delas. À essa altura, os seus passos espelham os delas. Quase como se você possuísse os seus corações também.
A música continua e cresce, tornando cada vez mais familiar o padrão que o sangue desenha no chão. Como se as dançarinas nunca tivessem tirado suas mãos de dentro do seu peito, e enfiam seus braços numa dimensão sutil, cada vez mais fundo, cada vez mais fundo, cada vez mais fundo.
Esticando cada vez mais o fio.
O padrão é a memória. O sangue traça tudo o que aconteceu. A realização disso dobra as forças que puxam a linha. A sua linha. Como se não bastasse o buraco no seu peito, o seu peito cheio de sangue, o sangue nos corpos, os corpos a bailar...
Esticando cada vez mais o fio.
O fio que ameaça arrancar tudo de você, não só mais o coração; que te ameaça te virar do avesso. Você já mal consegue enxergar, mas ao mesmo tempo o rosto das bailarinas se tornam cada mais reconhecíveis. Suas expressões se tornam cada vez menos suaves. Provavelmente como a sua...
Esticando cada vez mais o fio.
Quando o fio te puxa para além das cortinas, para a cegueira da luz, a música atinge o seu clímax. O fio se rompe, e o seu grito choroso de agonia preenche o espaço vazio acima da cidade.
A música encontra um jeito de continuar tocando dentro de você. E enquanto toca, as lágrimas continuam caindo, como gotas de chuva.
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Canção de Ouroboros: A inocência do Descendente
FantasyViver é doloroso, e a música não mente. Isso é verdade independente de quem você é, e ao mesmo tempo, especialmente de quem você é. Faon aprendeu muito pouco disso com treze anos, como se é de se esperar. Após algumas excruciantes guinadas na sua vi...