19 - Flun e Pul

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Trinta e quatro dias. Já se passaram quase cinco semanas desde o meu último dia em Astranimus, mas ele ainda queima e arde em minha mente, como ferro em brasa.

Hoje é dia de Phas, e portanto nós tínhamos que pensar em algo para fazer. Surpreendentemente, foi Mia quem sugeriu primeiro. Aparentemente ele lembrou de uma trilha para uma cachoeira cujas águas eram sagradas e davam boa fortuna para os que mergulhavam nela quando o sol estava na linha do horizonte. O principal argumento de Mia, no entanto, era o treinamento, ou melhor, o exercício. Ainda mais para a Beatriz, que segundo o espadachim, só ficava "lendo e pensando, com o traseiro assentado por tanto tempo na cadeira que já parou de senti-lo." Ela fez beicinho diante disso, e tanto Shin quanto Tysen riram.

Agora já subíamos a encosta, num ritmo lento mas constante. Apesar de tudo, estou em pleno e perfeito conforto, pois estou acolhido pelo meu sobretudo vermelho. O verão está vindo, e a natureza vai aflorescendo. As árvores, altas, inalcançáveis, exibem uma densa folhagem verde, que bloquea grande parte da luz do sol, o que ajuda um pouco. O chão fora do caminho está coberto por uma camada de terra e folhas caídas. A natureza está viva: ouvimos os seus uivos, os seus passos e os seus chiados; vemos seus seres, e cheiramos seus frutos. Todo o lugar possui um ar calmo, relaxante, quase místico. Essa pequena peregrinação está sendo uma ótima experiência para mim.

Saímos de manhã, pois a ida deve levar o dia inteiro. Shin, eu e Tysen galgamos cada passo tranquilamente. Mia nos acompanha, mas parece haver algo de errado. Eu tenho a impressão de que às vezes lhe falta ar, que está sufocando; mas deve ser só aquela maldita máscara, atrapalhando–o. Também cheguei a perguntar sobre isso para Beatriz, e ela respondeu que nunca viu Mia sem a máscara, mas já havia se acostumado com isso e respeita a sua opção por ocultar o rosto. Optei por fazer o mesmo, mas fazer uma trilha com uma máscara sobre o nariz e a boca não me parece uma boa ideia. Beatriz tentava nos acompanhar, mas às vezes arfa alto, ou se apoia em alguma coisa. O seu rosto também demonstra uma imensa tensão, e suor brotava da testa e descia pela têmpora. No entanto, ela não disse uma palavra até agora, provavelmente para provar algo ao Mia, ou ainda a si mesma. Obviamente, não há lugar para Tyke nessa excursão. É perigoso demais para ele.

De repente, sinto um pulsar, e o meu corpo dobra-se para a frente, num espasmo involuntário. Sinto uma breve mas intensa dor de cabeça, e vontade de vomitar.

– Está tudo bem Faon? – Ouço uma voz suave ao meu lado, e uma mão nas minhas costas. Beatriz. Ela havia me alcançado. Quanto tempo eu fiquei zonzo? Ugh.

– Estou bem. – Levanto o corpo. – Obrigado. – E sigo adiante. Talvez cada passo meu não era necessariamente tranquilo.

Prosseguimos, e as horas vão passando. Encontramos outros peregrinos de diferentes idades, mas ultrapassamos todos. Às vezes esperamos Beatriz nos alcançar, e aproveitamos o momento para recuperar todo o fôlego. Também estou tentando disfarçar melhor os meus espasmos. Talvez Beatriz tenha notado. Finalmente, Mia para.

– Precisamos descansar. Já cobrimos uma distância muito boa, e temos muito tempo até o por do sol. – Ninguém protesta. Avançamos até achar um lugar razoavelmente confortável para nos sentar, plano, largo o suficiente para nós. Cada um bebe do seu cantil e comemos algumas frutas, conversando a respeito das aulas, da cidade, dos templos, de como o dia estava bonito; o de sempre. Começo a refletir, quase ausente à conversa, o que está se tornando um hábito. Nunca gostei muito de conversar.

Canção de Ouroboros: A inocência do DescendenteOnde histórias criam vida. Descubra agora