8 - Demônios invisíveis

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Paro um momento para observar o meu pai.

Ele está muito diferente. Com o olhar distante e a expressão séria, seus olhos amendoados fitando algo qualquer no horizonte; o cabelo loiro começando a atingir um tom muito claro, balançando ao vento, assim como a sua invejosa barba. Qualquer um pode ver que é um nobre, apesar de não usar vestimentas de acordo com sua posição. Um casaco longo, quase uma capa preta, assim como uma camisa, calças e botas também pretas. Encaixam-se perfeitamente nele.

É claro que eu não pareço tão implacável.

Estou apenas com uma camisa larga, branca, de linho, e uma calça de mesma cor e material e umas botas surradas. Peguei a primeira roupa que vi na minha frente e a vesti, como meu pai comandara. Ele era muito bom em mascarar seus pensamentos e emoções, mas até eu consegui ver que seu pedido era urgente.

Mas por que eu deveria sair da minha cidade natal com tanta urgência?

A cidade está linda e ocupada como sempre: o sol irradia alto no céu, tudo exala primavera, renascimento, renovação e um cheiro florido, agradável. Pessoas correndo pela rua, carregando vários objetos. Caravanas chegando, mercadores gritando, visitantes maravilhando-se. É um dia de grande pompa, pois começariam as primeiras lutas de exibição, e chegariam os primeiros turistas. O Torneio Escarlate em si começa uma semana mais tarde. Ele proclama o melhor espadachim conhecido do mundo, supostamente. Mas por mais que gostasse de assistir o torneio, já desconfiava que o título não carregasse tanto prestígio, pois eu já vira o meu pai lutar e posso dizer que ele era muito melhor do que muitos que de fato entram no torneio.

Mercadorias chegavam de todas as pontes, e a alta torre do nosso Descendente Aeon parece especialmente austera hoje. E tão misteriosa quanto o seu monarca. Como deve ser a vida do seu filho? Nunca foi visto em público, ou, pelo menos, reconhecido. Passar a vida toda sendo treinado para um serviço que você não escolheu... É nessas horas que eu penso que ser da realeza não seria tão bom assim.

Mas mesmo o maior império tem uma sombra.

Inevitavelmente, me lembro de quando despertei ontem à noite...

Acordei com uma badalada, assustado e confuso.

Estava na minha cama.

Esqueci do sino que tocava em algum lugar dentro da Morada do Rei, para anunciar as horas. Há quanto tempo eu não dormia na minha própria cama? Depois que percebi onde estava, o medo e o terror se foram por completo. Eu já não sentia dor alguma. Tateei o meu rosto em busca do ferimento que sofri, mas encontrei apenas uma pele lisa e macia. Não estava usando a mesma roupa de ontem, e sim um robe qualquer. Os meus cinco drakes estavam em cima da mesa. Ainda estava escuro. Ao olhar pra fora, percebi que não passara da meia noite. Ambas as Luas não estavam em suas respectivas posições ainda... A Menor, azulada, e a Maior, vermelha.

Que parte de ontem foi real? Houve algum momento em que...

O feitiço.

Eu dormi depois de fazer aquele estranho feitiço de Flun, e tudo que aconteceu desde então foi estranho. Eu tinha uma força enorme, pessoas acharam que eu era mais velho, Hector falou comigo, aquela sensação estranha de que eu deveria ir para Aslux, a emboscada, o corte...

Meu pai deve ter dado um jeito de me achar. Carregou-me enquanto dormia, me trocou e me pôs na cama. Por isso que eu estava com um robe, estava faminto e os meus drakes estavam todos ali. Foi tudo um sonho. Sim, eu lembro até do seu final. Antes da escuridão me tomar, eu vi algo formar-se na minha frente, como se uma oferenda minha às criaturas. Uma sombra, estendida no chão. A sombra de um homem, um homem robusto, que sobe as escadas e passa pelas chamas, como se não fossem nada. Eu sorri. Conseguia finalmente ouvir seus passos. Parece que não estava surdo, afinal.

Canção de Ouroboros: A inocência do DescendenteOnde histórias criam vida. Descubra agora