24.5 - I.7 - Monstro

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Interlúdio 7 – Monstro

– Então. – Tristam diz.

– Nós nunca lutamos antes, não é?

Cada um dos dois pegou uma espada longa sem fio.

– Não, nunca.

– Então será uma luta bem interessante. Você vai usar duas?

– Claro que não, não seria justo.

Eles estavam numa grande sala dentro da Torre, um lugar feito para que treinassem. Não que houvesse necessidade de treinar. Eles simplesmente gostavam de uma boa luta.

– Pronto? – Seu amigo pergunta.

– Pronto. – Os dois mudam radicalmente de atitude. Já não eram pessoas, e sim guerreiros, avaliando um ao outro com cuidado enquanto jogavam seu pequeno jogo de pés, mas logo a dança começaria.

Tristam é quem investe primeiro. Um pequeno golpe, no braço do oponente, que o defende habilidosamente. Mas ele continua: testando um braço, ora o outro, sem que seu amigo piasse mais que um bloqueio, isto é, até contra–atacar. Tristam bloqueia e contra–ataca, seu amigo bloqueia e contra–ataca, e a dança começa. Depois de cinco trocas, eles param, voltando ao estado inicial.

– Como vai o governo? – Pergunta Tristam.

– Bem. Ainda pensando no que fazer com os vampiros. Os que queriam voltar voltaram, mas não sabemos o que fazer com os que ficaram. Os conselheiros estavam pensando em reformar o distrito de Aslux para eles. Irônico, não?

– Parece um bom plano.

– Também estão pensando em feitiços. – Dessa vez o seu amigo ataca primeiro. Um golpe rápido, limpo, mas ainda fora bloqueado. Ele tenta mais três vezes antes de fungar.

– E você?

– Estou melhorando. Lembrando das pequenas felicidades. Mas eu não toco faz muito tempo. – Tristam tenta atacar diretamente o ombro do seu adversário, mas este apenas recua. – Mas ainda assim, eu estou...

– Esperando.

– Esperando!

– Entendi. – O seu amigo diz, antes de investir. Tristam bloqueia todos os seus ataques, sem contra–atacar.

– Essa luta está muito estranha, muito parada. – Reclama o chanceler. – Podemos elevar um pouco o nível disso? Eu sei que você não está usando o seu máximo.

– E por que eu usaria? – Como resposta, o seu amigo investe com tudo, cadenciando vários, inúmeros golpes certeiros. No entanto, Tristam defende todos, ao ponto de no sexto golpe encaixar um contra–ataque, que é evadido. Ele então encara o oponente por cinco longos segundos e anda na sua direção. Apenas quando chega perto é que ele libera a tempestade.


Num braço. No outro. No ombro. Na barriga. Na barriga, de baixo para cima. Na costela. O golpe da costela pega.

– De novo? – Seu amigo pergunta.

– De novo. – Tristam responde. Lutam mais um puco, e mais um pouco, até meia hora de intensa troca se passar.

– Por hoje chega, não? – Tristam sugere determinada hora.

– Mais uma? – Seu amigo estava exaltado demais. Tristam põe uma das mãos sobre a boca enquanto sorri.

– Tudo bem. – Mas quando o seu amigo dá o primeiro golpe, Tristam já se encontra atrás dele, e começa andar para o estande de armas. Enquanto isso, o seu amigo larga a espada, cai ao chão e segura a sua barriga. Depois de guardar a lâmina, vira e pergunta ao chanceler:

– Você está bem?

– Mais ou menos. – Quando ele vai ajudar a levantá-lo, vê aquele olhar. O olhar que recebeu por tanto tempo, de tantas formas: um olhar assustado, temeroso. O olhar que diz "monstro, aberração". Mas no caso do seu amigo não dura mais que alguns instantes, e logo ele volta a encará-lo com a mesma astúcia de sempre. – Eu deveria ter esperado isso. – Não que esse olhar importasse mais. Já aprendeu a lidar com ele.

Então por que pensava tanto nisso?

– Devia. – Responde Tristam, enquanto ambos saem da sala mais pensativos e quentes do que entraram.

Canção de Ouroboros: A inocência do DescendenteOnde histórias criam vida. Descubra agora