2 - O céu e as estrelas

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– Entendeu, Faon? – O brilho da vela da mesa é hipnótico.

– Hm? – E a forma como suas sombras bruxuleiam nas paredes de pedra dura mais ainda.

– Faon.

– Ah. – Recomponho-me rapidamente. – Ahn, sim, claro. – Meu pai faz uma expressão já bem conhecida.

– Então? – Pergunta, num tom inquisitivo. Ele não está satisfeito. Suspiro.

– Geopolítica chalagiana atual, não é? – Mas isso acaba sendo o suficiente para suavizar seu rosto.

– Sim. – Ah, como eu adoro o meu incrível dom de aprender dormindo. Ou distraído. Semiconsciente?

– Bem, o gov— Alec levanta a mão.

– E acho que por hoje já chega, não? Você está cansado das suas pequenas lutas.

– Pequenas? – Pergunto, indignado. – Aquilo foram pequenas? – Ele ri. Apenas ri. Ri em alto e em bom som, com prazer rude. Levanta da mesa e vai embora sem responder minha pergunta... Com palavras.

... O desgraçado continua rindo. E pior, ele não parece estar forçando. Ugh.

– Hehe. – Mas isso me faz dar uma pequena risada também. Ouço seus pés pesados soarem cada vez que sobem um degrau, e um barulho alto quando bate a porta do seu quarto. Espero um pouco, e olho ao meu redor. As inúmeras velas estão, como sempre, acesas; e logo eu serei o único acordado.

Nesta noite, será do meu lado da ponte.

Passo pela cozinha silenciosamente. Tyke não está "dormindo" de forma propriamente dita, mas ele só me observa sem reagir quando eu passo por ele, o que é um alívio. Ele não costuma uivar ou rosnar para me denunciar, mas nunca se sabe. Depois de passar pela porta dos fundos, o resquício de preocupação que eu tinha se esvai. Começo a correr.

~

Não sei quanto tempo se passou desde que saí de casa, mas finalmente paro quando avisto a enorme ponte de pedra, a mesma que atravessei algumas horas mais cedo. Como sempre, a cidade está resplandecente, maravilhosa, a pedra dura brilhando e refletindo toda sorte de fontes de luz: desde os lampiões rúnicos até as duas luas no céu. Eu já ouvi o nome mais apropriado para pedra dura uma vez: silício. Também é por causa dele que existem todos esses cristais pela cidade. Aliás, se só houvesse a pedra dura em si, provavelmente ficaríamos cegos com tanto brilho. Mas do jeito que está, é perfeito.

Por mais estonteante que essa ponte seja, eu tomo à esquerda. Mal comecei a desviar do caminho e já sinto o vento esfriar o meu corpo. Ainda vamos entrar na primavera, então você tem que estar devidamente vestido para uma noite no relento. Prossigo por algum tempo na borda, e não demora muito até ela começar a descer. A trilha vira repentinamente um lance de escada de pedra entalhado por alguém há muito tempo, mas atualmente ele não vê muito uso. Mesmo daqui, já consigo vê-la, e isso piora ainda mais a minha situação. A cada passo, o meu coração palpita mais, e o nervosismo deixa–me fraco.

No final do declive há uma pequena praia, e sentada num enorme tecido grosso sobre a areia, lá está ela. Iluminada pelas estrelas, pelas luas e pela tocha erguida e acendida previamente, as sombras dançam por toda a areia.

Camélia estava me esperando, é claro.

Ela já me viu, mas eu devo fazer algo antes.

Sabe, há algum tempo atrás, ela reclamou de que não poderia dormir na praia. Então acabei procurando uma solução para esse problema, através de um feitiço, com a ajuda do meu pai. Ele cobre todos os possíveis problemas, e já o executei tantas vezes que ele nem sequer faz energia aparecer, ou o meu corpo doer. O dito preço é mínimo.

Não falo nada, apenas evoco o feitiço na minha mente, como de costume, e ando até onde ela está.

– Pensei que você não viria. – Diante disso, faço o que sempre faço: fico em silêncio.

Ela já esta acostumada. Eu me sento ao seu lado e mesmo sentindo o efeito anestesiante da sua presença, tomamos a liberdade de observar junto a beleza ao nosso redor. A rocha que nos cerca. As ondas subindo e quebrando. O mar negro, além da branquidão da espuma. Cada uma das estrelas.

E ela, claro.

Já cheiro a doçura no ar, e sinto-a na sua mão sobre a minha. E quando seus braços se fecham sobre um dos meus, meu corpo treme e se arrepia, sem saber se está feliz ou assustado. E só piora quando ela me deita na areia, como se para me por para dormir.

Então o seu rosto surge à minha frente. Seu lindo rosto, seu longo e dourado cabelo, seus olhos verdejantes, seu nariz perfeito, seus lábios provocantes. Ela avança e me beija com aquela boca, e o meu corpo todo relaxa, como se minhas correntes tivessem sido quebradas. Não é nada demais: seus lábios só pressionavam os meus. Mas o seu calor, o seu corpo, roçando levemente no meu, transborda o meu ser com a sua paixão. Será que ela percebe todos os meus pelos se eriçando com cada toque? Eu fecho os olhos, tentando guardar esse momento, essa sensação.

Então eu os abro, e vejo o céu e as estrelas.

As estrelas resplandecem como mil sóis nessa noite.

Canção de Ouroboros: A inocência do DescendenteOnde histórias criam vida. Descubra agora