1 - Memórias

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Como uma chama, você não pode deixar de olhar.

Finalmente, as lâminas se afastam, e a torrente de fagulhas cessa.

Como o mar, não pode deixar de contemplar.

Distanciado de mim por alguns poucos metros, eu encaro o peso do seu olhar.

Como o vento, não pode deixar de sentir.

A pegada do punho se aperta ainda mais. A adrenalina dispara por todo o meu corpo.

Uma vontade efêmera, mas que neste instante, é maior que tudo e todos.

Reteso–me para mais uma onda de ataques. Dessa vez eu consigo.

Incompreensível, irracional, imoral, imortal.

Corro até o choque, instantes depois. Novamente, as espadas se travam, enquanto eu procuro por uma brecha.

Tudo poderia se conservar neste mísero instante. Uma simples felicidade, movida apenas por um impulso. Um impulso mais revigorante que a brisa mais fresca, ou o sono mais profundo.

Testo a sua defesa continuamente, atacando de direções diferentes, sempre encontrando a sua espada no caminho da minha.

Como eu quero que isso seja eterno.

Finalmente percebo uma oportunidade, no limiar da minha percepção consciente. Preparo–me, arqueio–me, e desço a lâmina sobre o seu lado mais fraco. Ele faz sinal de defender, apesar da diferença de sua vulnerabilidade. Mas aquilo não passa de uma finta. Antes que houvesse contato entre ferro com ferro, ele me atinge nas costelas. A espada entra e sai com facilidade.

Mas não é.

Eu rio.

Continuo a rir, e o homem me encara. Ele continua me encarando até depois da sua cabeça voar.

Com um massacre às minhas costas e o último guarda morto, entro no bucólico e espaçoso pátio externo e sou confrontado por várias figuras encapuzadas com espadas numa mão e manas vermelhas na outra. Como sempre, ninguém nunca tem criatividade quanto se trata de magia. Os disparos de energia e fogo começam.

Quando a fumaça abaixa, eu coço a cabeça, bocejo e bato com a espada no chão. Uma, duas vezes.

– Deu?

Os disparos voltam. Dessa vez estou com preguiça, de usar magia, então só pulo para o mais próximo e enfio a espada em seu peito, aterrisando nele e jogando-o ao chão. Os disparos cessam quando percebem que eu estou entre eles, mas logo as espadas começam a brilhar com uma aura vermelha. Bom, nem todas. Já vejo um roxo, um azul, até um verde. Seres humanos são realmente incríveis!

É uma pena que estes tenham que morrer.

Pego uma espada, jogo em um. Corto a cabeça de outro e aproveito para me jogar sobre ele. Eu levo para o alto comigo, e sugo todo o sangue, o doce sangue, tal qual ambrosia líquida; do seu corpo flácido e mole, mas claro: ainda não era suficiente, nunca seria. Ah, a noite se torna mais clara, as cores se tornam maiores, o ar mais forte, os sentimentos mais sólidos! Sim, não há nada como isso! A euforia arranca algumas risadas de mim.

Até outra bola de fogo chamuscar a pontinha da minha roupa.

– Ei! – Largo o corpo, crio uma plataforma e me impulsiono para cravar as minhas mãos dentro dele. Demoro mais que um segundo para as tirar do corpo—e da terra—mas foi... Necessário.

– Próximo!

Eu sei, eu sei, eu tenho uma missão: matar a família real e seus herdeiros. Mas é tão prazeroso! Minha lâmina brilha, vibra e regozija com cada vida retirada, cada sangue derramado, cada coração arrancado e membro decepado. Dois movimentos bastam, e às vezes nem isso. Um para quebrar a frágil defesa, e outro para matar. Cabeças rolam, gritos de agonia percorrem o castelo, e extensas poças escarlates profanam o chão. Esse processo continua por algum tempo até estarem todos mortos. Paro na frente da entrada do castelo propriamente dito, e penso que ele ou a família podem tentar fugir. Talvez devo parar de pegar leve.

Canção de Ouroboros: A inocência do DescendenteOnde histórias criam vida. Descubra agora