9.5 - I.2 - Desperto

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A energia ainda fluía, visível, à sua volta quando acordou. O cerca como uma aura. Às vezes vira fogo, ou até vento. Está emocional, instável, assim como a sua mente turbulenta. As memórias rodopiam, em chamas, queimando tudo. Volta a chorar.

Sai da casa antes que a incendiasse, e passa a vagar pela estrada. Ele mal pode controlar o seu corpo. Ele se contorce e se move impulsivamente, de acordo com a torrente dentro de si. As cenas passam pelos seus olhos com facilidade, mesmo fechados com força. O sangue, as luzes, os sorrisos. Maldito é o sangue.

O que resta no mundo para ele, se não a dor? É tudo que existe, é tudo que domina agora. É isso que temia. É o despertar completo da sua mente, depois de tudo que aconteceu. Ele simplesmente destruiu e reconstruiu o mundo em um segundo. Ele matou seus deuses, quebrou todas as leis, perdeu tudo. Não havia luz. Mas isso ultrapassa a escuridão com a qual já estava acostumado: é um vazio absoluto, uma falta, um erro. Ele está morto, seu corpo apenas pareceu não compreender isso.

Sua aura estala novamente e manda uma bola de energia para a floresta ao lado, mas não presta atenção nas inúmeras árvores que derrubou. Ai do viajante que por aqueles caminhos passar, enquanto aquele titã prosseguir com seu pesado vagar. Não há refúgio. Ele é uma força imbatível e um objeto irredutível, solto no mundo.

Finalmente, alcança uma vila.

Uma voz dentro dele tenta gritar "corram, corram", mas não passa de suspiro quando tenta sair da sua boca. Como se a sua enorme e visível aura não fosse aviso o suficiente. Ele consegue enxergar os camponeses correndo, saindo de suas casas, assustados, e se espalhando pelos campos e pelas florestas.

Ele ainda chorava quando a aura estalou novamente, derrubando as casas. As lágrimas pingam do seu rosto enquanto tudo queima à sua volta. Ainda se contorce e espernea enquanto as cinzas voam para longe.

E assim se passa o dia. Sem rumo, forjando um caminho de destruição por onde passa. Ele para de chorar depois de não muito tempo, simplesmente porque o seu corpo não podia mais ceder água, então continua com convulsões e soluços, dignos do que sente.

Felizmente, também encontrou bandidos. A sua reação foi a mesma como com qualquer coisa, mas dessa vez permitiu sua energia caótica ser livre para fazer o que quiser com eles. Não tentou se segurar. Logo, eles simplesmente não existiam mais.

Até se sentiu um pouco melhor, mas não por muito tempo.

Há algo de errado. Ele até mesmo chegou numa cidade maior, uma capital. Mas mesmo seus guardas não saberiam cuidar dele. Tentaram atingi-lo com seus feitiços para drenar a energia, silenciar a sua aura, incapacitá-lo de alguma forma, mas tudo ricocheteou de volta. Não se perdoaria se trouxesse uma capital inteira às cinzas, mas ele já fez tanta coisa pela qual nunca se perdoaria... Uma a mais não faria diferença.

Felizmente, os outros guardas tentaram outra tática. Simplesmente contiveram os estragos, sem deixar que a aura atingisse alguma coisa. Se ela mandasse uma bola de fogo, esta era apagada. Se mandasse vento, um vento de força e igual e sentido oposto o neutralizava.

Assim, a cidade sobreviveu até que o homem perturbado a deixasse.

Ele também presenciou uma besta gigante ou outra, numa quantidade muito menor que antigamente. Sua magia também as dilacerou. Elas assustavam pessoas normais, mas eram tão vulneráveis quanto qualquer outro animal.

Não percebe quando a noite chega, apenas quando esta toma o céu inteiro para si e a sua aura torna-se a única fonte de luz no mundo. Uma luz fraca, que não passa de algo para aumentar a visibilidade de uma pessoa. Não a luz de verdade, aquela que o reviveria, que o traria de volta do terrível e sombrio reino dos mortos.

O tempo parecerá estar fora de si.

Mil páginas nunca foram o suficiente para descrever o tormento, demorado, alongado, fermentado durante as horas do dia e da noite.

Ele apenas desejava uma luz.

Então a vê.

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Canção de Ouroboros: A inocência do DescendenteOnde histórias criam vida. Descubra agora