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Uma experiência em particular deixou minha mente muito perplexa. Naquele


tempo, as pessoas não usavam seus carros durante os meses do inverno e, às vezes, dava


muito trabalho fazer um automóvel funcionar bem quando chegava a estação mais


quente.


Meu pai resolveu trazer um mecânico que morava em Edmundston para vir passar


alguns dias conosco a fim de consertar o nosso carro. Antes de sair para ver o homem,


papai disse: "O homem é protestante, mas é um ótimo cidadão e um excelente mecânico.


Agora, filhos, prestem atenção. Pode ser que, ao recitarmos a saudação angélica antes de


começarmos a almoçar, ele não participe de nossas devoções. Por favor, não fiquem


olhando para ele e, acima de tudo, não façam perguntas embaraçosas com relação à


religião dele. Entendido?" Enquanto falava, papai olhava diretamente para mim. Todos nós


respondemos em uníssono: "Sim, senhor".


Por três dias, o homem trabalhou no carro, e eu gostava de ficar olhando. Ele era


tudo que o papai havia dito e muito mais. Era bondoso, parecia gostar de conversar


comigo e não usava vocabulário profano.


Meu pai era o proprietário e gerente de três fazendas, e, naturalmente, tinha


muitos empregados. Muitas vezes, ao admitir um novo empregado, eu ouvia dizer:


"Amigo, sei que nós vamos nos entender muito bem. Não é difícil me agradar. Mas quero


que você nunca se esqueça de uma coisa: minha esposa e eu não permitimos que as


pessoas que trabalham para nós blasfemem de Deus ou dos santos. Nós temos filhos que


estamos tentando criar para reverenciar a Deus. Portanto, cuide de suas palavras". Apesar


desse pedido, eles se esqueciam durante o trabalho e, por suas palavras profanas, "faziam


baixar todos os santos do céu" [expressão figurativa utilizada pelo autor].


Mas o mecânico protestante, quando machucava o dedo ou esfolava a pele, apenas


dizia: "Ai! Como dói!"


Quanto à saudação angélica, descobri que o mecânico era mais reverente do que


nós. Quando papai dizia "Oremos", o mecânico inclinava a cabeça, fechava os olhos e


juntava as mãos. Nós nunca fechávamos os olhos e recitávamos a saudação o mais rápido


que podíamos.


Depois que o homem foi embora, algo me perturbava e eu não conseguia tirar da


cabeça. Era uma frase que eu havia decorado do catecismo: "Hors de L'eglise Catholique


Apostolique et Romaine il n'y a point de salut". Traduzindo do francês, quer dizer: "Fora da


Igreja Católica Apostólica Romana, não há salvação".


Minha mãe percebeu que algo me preocupava, e procurou descobrir o que era.


- Mamãe, para onde vão os protestantes bons quando morrem? - perguntei.


- Esta é uma boa pergunta, filho. Por que você pergunta?


Repeti o que havia memorizado do catecismo. Ela admitiu que não sabia, e sugeriu


que perguntássemos ao meu tio, quando ele viesse nos visitar. Ela deve ter ficado


perturbada com minha pergunta, pois na hora do jantar contou ao papai e pediu a opinião


dele sobre o assunto.


Ele não teve muito a dizer, mas comentou que achava que Deus não deixaria uma


boa pessoa fora do Céu, fosse ela católica ou protestante. "Provavelmente", sugeriu ele,


"quando um protestante bom morre, os anjos o levam pela porta de trás". E disse mais:


- Os protestantes não têm a glória de receber as boas-vindas de São Pedro


pessoalmente, mas eles não devem se preocupar, contanto que consigam entrar. Eles não


devem esperar receber o tratamento reservado às celebridades. Afinal, os seus


antepassados cometeram um grave erro quando deixaram a Igreja Católica, e todos os


seus descendentes podem esperar por sofrimentos como consequência.

Viagem Ao SobrenaturalOnde histórias criam vida. Descubra agora