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pensaram que mamãe já estava no Céu, ao lado de Deus, devido aos muitos rosários
[terços] que foram rezados em favor dela. Mas, o que mais bem nos fez, foi o fato de que
papai mandou celebrar missas gregorianas em favor da alma dela.
Como o nosso tio Félix nos explicou, missas gregorianas devem ser a coisa mais
maravilhosa que pode acontecer para alma de um ente querido falecido. Ele disse que foi
o Papa Gregório I quem as planejou, devido à especial preocupação que tinha para com
as almas no purgatório. A família faz os preparativos para que se celebrem trezentas
missas simultaneamente em várias paróquias, conventos, mosteiros e em outros lugares,
no mesmo dia. De acordo com ele, essas missas têm um poder redentor suficiente para
levar uma alma diretamente para o Céu, sem passar pelas chamas do purgatório.
Naquele mesmo dia, ouvi um parente dizer que as missas gregorianas custavam um
dólar cada uma ou, em outras palavras, trezentos dólares por todo o plano. Na minha
mente, veio o pensamento de que nós éramos verdadeiramente privilegiados, porque o
meu pai tinha condições de ajudar minha mãe a ir para o Céu de uma maneira tão bonita.
Foi então que me lembrei de uma mulher de nossa paróquia que havia morrido seis meses
antes. A família era muito pobre para mandar celebrar qualquer missa e, por isso, ela teria
que sofrer no purgatório. Os arranjos para o sepultamento dela tinham deixado meu pai
muito revoltado, pois ele era membro da comissão de serviço social de nossa paróquia.
Naquela noite, já assentado à mesa para a ceia, ele decidiu ficar sem comer.
Detectando o seu mau humor, mamãe perguntou qual era o seu problema.
– Talvez seja mesmo melhor contar – disse ele. – Passei a melhor parte da tarde no
presbitério da igreja, com outros membros da comissão, discutindo os problemas dos
pobres de nossa paróquia. O principal item de interesse foi a compra de um caixão para a
idosa Annie. Eu não era contra a economia de despesas, mas quando o Padre Paquin
perguntou ao diretor da funerária quanto seria possível economizar se retirássemos do
caixão o crucifixo e as alças antes do enterro, fiquei revoltado e tive vontade de dar ao
bom padre uma parte de meu vocabulário. Entretanto, me contive por respeito ao seu
ofício. Para colocar um ponto final à discussão, eu disse que pagaria a diferença. Coisas
desse tipo, de alguma forma me irritam. É triste. É triste ser pobre hoje em dia.
Especialmente quando chega a hora de morrer.
Ao lembrar-me desses dois incidentes, eu não conseguia deixar de pensar que Deus
era tremendamente injusto ao permitir que a miséria continuasse no mundo. Com o
passar do tempo, perdi a confiança em Deus e na Igreja, e resolvi que, tão logo tivesse
idade suficiente para me manter, não teria nada a ver nem com Deus, nem com a Igreja.
No outono de 1937, meu irmão Edgar e eu, fomos colocados pelo meu pai num internato
administrado por freiras de L'Hotel Dieu, de St. Basile. A grande quantidade de instruções
religiosas que recebi nesse lugar serviram apenas para endurecer ainda mais o meu
coração. Pelas aparências exteriores, ninguém seria capaz de imaginar o que estava
acontecendo em minha mente. Passo a passo, afastei-me de Deus, com desgosto e ódio.
Alguns anos se passaram, chegou a Segunda Guerra Mundial, e com ela o chamado para
servir a minha pátria.

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