Capítulo 42 - Fuga

19.5K 2.3K 1K
                                    


            O trem estava ligeiramente atrasado. Pelo que eu podia entender das conversas em volta de mim, o atraso não era muito comum. Todos estavam muito aborrecidos com os minutos perdidos, mas eu continuava feliz. Apesar do atraso também significar menos tempo em Paris, era difícil ficar chateada em um trem tão bonito. Ele era extremamente confortável e eu estava até chateada que a viagem só duraria 2 horas. Já estava aninhada na cadeira e entretida com a televisão de bordo. Afinal, apesar do trem, em si, ser um espetáculo a parte, sua vista - é claro - deixaria a desejar. Também não era para se esperar muito de um trem que anda embaixo da terra, não é mesmo? Ou melhor, embaixo d'água.

Tinha tanta coisa para ver e analisar que eu estava perfeitamente distraída quando as portas do trem fecharam de vez. Eu coloquei minha mochila na poltrona ao lado, considerando que ela permaneceria vazia, já que ninguém mais poderia entrar. Estiquei-me ainda mais, aproveitando todo espaço disponível. Em dúvida se eu queria dormir ou assistir Sherlock na televisão de bordo.

A única parte ruim de ter um espaço vazio ao meu lado era que eu não tinha ninguém para conversar. Não que eu seja muito faladora, claro que não. Inclusive isso seria algo que eu nunca faria, se tivesse a opção. Tinha planejado falar um pouco com alguém, para ter algumas dicas de Paris. Com qualquer um que tivesse o azar de sentar do meu lado, na verdade. A loucura de ter tomado essa decisão no último segundo não tinha me dado muito tempo para pesquisar um roteiro mínimo. E claro que, para ajudar, meu celular estava sem bateria.

O trem começou a se mexer e eu olhei pela janela. Encarei meu reflexo por alguns segundos. Que maluquice, Katerine. Era uma fuga ou só uma súbita vontade de conhecer Paris? Eu preferia pensar que era só uma súbita vontade de conhecer Paris. Eu não tinha gastado quase nada do dinheiro do concurso, já que Alex vinha bancando minha vida.

Por culpa, claro.

Só podia ser por culpa.

Enfim, eu teria que confiar no meu instinto. Não havia ninguém que parecia minimamente aberto a dar dicas de turismo por perto. Bem, espero que as ruas parisienses não sejam todas iguais, como parecem ser as londrinas. Será que dá pra ver a Torre Eiffel da cidade toda?

― Esse lugar está ocupado? - Alguém perguntou atrás de mim.

― Não - eu respondi, desviando o olhar da janela para quem me perguntava, um pouco chateada por ter que tirar minha mochila da cadeira.

Todavia, quando eu olhei para cima, quem eu vi foi: Alex Rodder.

― Que cara de pânico é essa, Katerine? Não está me reconhecendo?

Alex Rodder, enfiado em um gorro, com óculos escuros e um casaco de gola. A gola, claro, levantada como se fosse um vampiro. Faltava só um bigode falso para o disfarce estar completo. Eu contive meu choque, mas também tive que conter uma gargalhada, só por imaginar o bigode.

― Do que você está rindo? - Alex disse, levantando minha mochila para tomar o lugar.

― De você, Alexander.

Ele sentou na cadeira, afundando-se nela, como se estivesse constrangido e irritado.

― Estou muito chateado por não ter sido convidado para sua viagem - ele fez bico.

E aí estava o motivo da irritação.

― Ora - eu disse. - Achei que você tinha dito que ia trabalhar. Ou melhor, deixado um bilhete.

Tiete!Onde histórias criam vida. Descubra agora