Capítulo 47 - Cotidiano

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Alex era ocupado, mas se fazia sempre presente. Me levou nos seus cafés favoritos, em partes distantes da cidade, onde podíamos fazer coisas de pessoas normais. Ou pelo menos quase normais. Ele ainda olhava para todos os lados, paranoico e nós sentávamos sempre nas mesas mais ocultas na escuridão. Ademais, tenho certeza que a gorjeta que ele dava para os funcionários cobria qualquer dinheiro que eles ganhariam dando furo de reportagem. Especialmente porque a gorjeta era frequente. O furo seria dado só uma vez: Alex nunca mais retornaria se perdesse a confiança.

Detalhes a parte, eram lugares incríveis, muitas vezes com decorações musicais incríveis e nós dois nunca parávamos de falar um minuto, entretidos ao debater um pouco de tudo, inclusive música. Nós tínhamos um gosto musical relativamente parecido, mas o que eu mais gostava de discutir mesmo era sobre nossas diferenças de estilo. Discordávamos e riamos um do outro, o que fazia tudo ser sempre muito divertido.

Alexander vinha desenvolvendo um hábito que fazia muito mal para a falha do meu joelho: constantemente me chamava de my rockstar. Não rockstar, apenas. My.

Fazia mal para meu joelho e também para minha vergonha. Sempre que ele falava isso eu sabia que ele estava se lembrando do vídeo da minha apresentação no Show de Talentos. Algumas vezes ele tentava puxar o assunto e eu cortava, direta, como sempre:

― Não quero ser desse mundo, Alexander – eu dizia. – Já disse que se eu for trabalhar na área será...

― No backstage – ele repetia, entediado. – Já entendi.

Eu tomava um gole despretensioso do meu café quente, esperando a derradeira frase, que sempre vinha:

― Mas eu acho um desperdício.

Era melhor quando engatávamos nesse tipo de discussão quando não estávamos em um lugar público. Assim eu podia simplesmente pular em cima dele e silenciá-lo de outras formas. Ainda que os lugares onde ele me levava fossem, em tese, zona segura, Alexander não arriscava. Ele não encostava um dedo em mim, mas eu brincava com suas pernas por debaixo da mesa.

Passeamos em lugares longínquos da cidade de Londres, mas ele sempre usou boné, óculos escuros ou qualquer outro tipo de "disfarce". Estivemos em sua loja de instrumentos favorita. Ele passeou por ela, tocando todo estilo de música, em diversos instrumentos diferentes. Eu sentei na bateria, saudosa. Batuquei alguma coisa com uma mão só, mas não era a mesma coisa. Alexander bateu palmas mesmo assim.

― Você é a baterista mais talentosa que eu conheço – ele disse, beijando minha testa.

― Você não conhece muitas bateristas, então – eu respondi, encolhendo os ombros.

― Você subestima seu poder, my rockstar – ele fez uma piadinha nerd de Star Wars.

A verdade era que eu passava mais tempo no apartamento dele do que no meu hotel. O que gerava sempre uma penca de ligações de Mariana e mensagens desesperadas de Igor. Todavia, eu mantinha meus pais informados (não sobre meu paradeiro, mas sim sobre meu estado de saúde e de vida) e estava tranquila com relação as minhas decisões.

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