Nossa dor

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​Alice sentiu os olhos se encherem de lágrimas novamente por ver Gabriel tremendo para tentar subir as escadas. O braço que ele apoiava no corrimão sustentava mais seu peso que suas pernas, e o esforço dele era admirável ao mesmo tempo que penível.

​Perdendo a paciência, Vitor foi até ele, parou ao seu lado e passou seu braço livre por sobre os próprios ombros. O garoto olhou o mais novo, e este deu um tapinha em suas costas, demonstrando apoio. Ele sustentou todo o peso do irmão, e Gabriel por fim suspirou, concordando em receber ajuda. Os dois subiram, e logo o de olhos claros voltou para baixo.

​– É melhor o deixarmos sozinho agora. Nosso irmão está realmente mal – ele avisou.

​Mariana, incapaz de se segurar, soluçou. Ela voltou a chorar, querendo de alguma maneira fugir da própria dor.

​– Eu juro que preferia estar no lugar dele. Nunca vi Gabriel tão mal com alguma coisa – choramingou a garota. Os gêmeos, sérios, concordaram com ela, segurando as lágrimas.

​– Todos nós iríamos preferir morrer do que ver isso. Só que, bem, temos a vida eterna para nos recuperar. Um dia vamos ser capazes de não pensar mais nisso – Vitor não olhava os demais. Catarina suspirou.

​– Nossa família não é mais a mesma. Infelizmente, nunca vai voltar a ser.
​Alice queria discordar da irmã, mas ouviu um barulho surdo no andar de cima, no quarto de Gabriel. Logo em seguida, um som que lembrava um animal ferido. Ela se levantou, mais rápida que os irmãos, e foi direto para o quarto do garoto. Abriu a porta e não viu nada, então foi para o banheiro, onde o encontrou.

​Gabriel estava caído de joelhos no chão, sem a camisa, encolhido de tanta dor. Suas mãos cobriam seus olhos e parte do rosto, mas Alice viu perfeitamente o que estava acontecendo. Sangue escorria de todos os lugares possíveis de seu corpo. Os olhos dele lacrimejavam sangue, seu nariz sangrava sem parar, o ressecado de seus lábios havia se tornado cortes feios. O ferimento em seu abdômen estava outra vez aberto e terrivelmente infeccionado. Suas mãos estavam encharcados com o líquido vermelho que saía de sob suas unhas. O pescoço, sujo de sangue que parecia vir de seu couro capilar ou dos ouvidos.

​A vampira se abaixou ao lado dele, se ajoelhando, e envolveu seu corpo com os braços. O garoto parecia estar convulsionando, tremendo da cabeça aos pés e com os músculos todos retesados. Desesperado, ele enterrou as unhas nas costas da irmã, e a cobriu de sangue. Ela sabia que todos os demais estavam às suas costas, mas ninguém se atrevia a dar um passo mais.

​Alice segurou a cabeça dele entre suas mãos, usando o que Robert andara lhe ensinando. Se concentrou em cada lembrança boa que tinha com Gabriel, cada vez que riam e conversavam até o dia amanhecer. Cada brincadeira besta, cada reprovação brincalhona dele, cada partida de jogos infantis que conseguia relembrar. Cada abraço, cada palhaçada, cada conselho de irmão e carinho. Cada gesto de amor. Tudo que pudesse distraí-lo de sua dor.

​Sentiu o corpo dele parar de convulsionar, e se deixou voltar à realidade. Viu que Gabriel encarava seu rosto, os olhos vermelhos encharcados de lágrimas que se confundiam com o sangue em suas bochechas, mas ele segurou o rosto de Alice entre suas mãos.

​– Obrigado. Eu te amo, minha irmã – ele disse, com a voz rouca, quase irreconhecível.

​Em seguida, seu tronco tombou para frente e seu corpo ficou totalmente flácido. Ela o deitou ao seu lado, apoiando apenas sua cabeça em seu colo. Viu seus olhos fixos e seu peito imóvel, o rosto sem expressão.

​Nos minutos seguintes, o único som foi o da respiração de cada um deles. Alice chorava em silêncio, encarando o cadáver ao seu lado. Mariana soluçava feito louca, pendurada em Robert, já que nenhum dos outros tinha estruturas para lhe dar apoio. Vitor se abaixou ao lado da irmã mais nova, e fechou os olhos de Gabriel com cuidado. Ele e Alice se entreolharam, e então esta se recostou contra o corpo dele, que apoiou o queixo em sua cabeça ao envolvê-la nos braços. Os dois sentiam o choro um do outro, e não se importavam.

Forever II - Vivendo a EternidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora