30. Evolução

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::ANA::

As batidas na porta me acordaram. Não sabia quanto tempo tinha dormido, mas Fernando não estava ao meu lado e senti-me estranhamente só e desamparada. Apressei-me em colocar a roupa que pendia por todos os lados no chão e arrastei-me até a sala apenas para ver minha mãe impaciente do outro lado, o rosto sério e indiferente de sempre, não me afastei para que ela entrasse.

— O que você quer? — Perguntei friamente.

— Posso entrar? — Quis saber em tom igual.

— Não, não pode. — Objetei. — Seja o que for diga e vá embora.

— Eu preferia fazer isso do jeito mais fácil, Ana, mas você não me deixa escolha...

— Do que está f...

Fui interrompida pela chegada de dois homenzarrões vestindo roupas verdes com um bordado estranho nos braços, tentei fechar a porta, mas minha mãe me impediu e eles me agarraram.

— O que está fazendo?! — Rosnei para ela, furiosa.

— É para o seu próprio bem.

— Você não sabe nada do meu bem! E não tem nada a ver com a minha vida, sou maior de idade!

— Isso agora não diz respeito a você, precisa ver especialistas, passar por exames... seu pai me contou o que aconteceu.

— E agora você se acha no direito de me internar quando não esteve aqui nos anos da minha vida que mais precisei de você.

— Passar isso na minha cara não diminui meu dever com você, Ana Clara.

— Pro inferno você e o seu dever falso! — Cuspi nela dessa vez e ganhei uma tapa no rosto.

— Levem-na.

Os dois homens me agarraram com mais força me arrastando pelo corredor enquanto eu tentava inutilmente me soltar, precisava pensar em alguma coisa ou tudo seria posto a perder. Havia uma vã do lado de fora, parecia uma ambulância ou coisa do tipo, na lateral branca estava pintado Santa Casa da Misericórdia em vermelho e senti meu sangue gelar, era um hospício com o nome de "casa de repouso". Tinha poucas lembranças de já ter vivido a experiência antes e não queria repetir a façanha. Um dos homens me soltou para abrir a porta da vã enquanto o outro me segurava pelos dois braços, usei seu corpo como apoio para erguer as pernas e chutar o outro contra a vã, ele bateu o rosto violentamente no latão do carro e cambaleou para o lado, fiz um novo movimento enquanto o outro tentava me deter e ainda consegui chutar seu rosto, dessa vez ele caiu desacordado, o outro homem me empurrou contra o carro para preparar uma seringa, chutei sua virilha em um mínimo momento de descuido e quando ele caiu de joelhos sem ar corri o mais depressa que pude rua afora.

Considerando minhas roupas, meu cabelo que deveria estar assustador e o fato de usar chinelos, eu devia realmente parecer louca àquela altura. Enquanto corria pelas ruas tentando não pensar na visão que as outras pessoas estavam tendo, pensava em algum lugar onde pudesse me esconder, não podia pedir ajuda a Juliana, era um risco muito grande e Sandi sempre viajava naquela época, de todo modo, nenhuma das pessoas que eu conhecia era uma opção, seria o mesmo que colocar um coelho na toca de uma cobra — se é que isso faz algum sentido — desci a rua ao lado da praça da igreja e corri o máximo que pude já sentindo o peito queimar e as pernas protestarem, havia uma quadra abandonada ali, o acesso era através de um terreno baldio cercado com muros altos e tela, um buraco na parede servia de "porta", eu podia ficar ali até pensar em um jeito de conseguir ajuda, àquela altura provavelmente minha "mãe" aquele pesadelo de ser humano deveria ter colocado a polícia e todo exército atrás de mim.

O ProtetorOnde histórias criam vida. Descubra agora