Capítulo 22 - Samantha

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Bato de leve na porta de Ethan, que atende segurando um amontoado de folhas. Entro no quarto devagar e vejo a bagunça, pensando em como sou sortuda em dividir o quarto com Sofia.

- Sabe, acho que tem umas vassouras decentes perto da cozinha – comento.

Ethan estala a língua.

- Bom, experimente dividir o quarto com Max e Jason, garanto que vai partir a vassoura no meio – ele ergue os olhos com um leve sorriso. - Você está linda.

Encaro minha roupa: botas, calça jeans claras e uma blusa masculina que ficava gigante em mim. Além disso, estou usando a touca.

- É, obrigada pela blusa – eu digo. - Eu rasguei as últimas que Sofia me deu.

- Ficou melhor em você do que em mim – sorri, guardando as folhas debaixo da coberta de sua cama. - Eu mudei de ideia, nós não vamos ver o filme.

- Posso perguntar o porquê?

- Primeiro porque o DVD deu problema de novo, e segundo porque eu quero te mostrar uma coisa - Ethan responde, algo em sua expressão estava me deixando nervosa, como se ele precisasse fazer alguma coisa mais importante, mas não quisesse recusar o momento comigo. - Um lugar escondido.

- Como assim? – pergunto, franzindo a testa.

- Surpresa.

Como se fizesse para me estressar, Ethan não responde quando pergunto "que tipo de surpresa? " e me puxa pela mão. Seguimos até o último andar, para perto da sala de Lian. Depois de passarmos pela plantação, franzo a testa ao perceber que seguimos para a última porta do corredor, escura e fechada.

Fico em silêncio enquanto ele aperta uma região na parede e digita uma senha em uma caixinha que aparece do nada. A porta se abre, e Ethan entra sem hesitar.

- Vai começar - Ethan anuncia olhando para a janela e se afasta, indo em direção ao pequeno buraco coberto com vidro que serve como janela.

Olho ao redor para reparar no lugar. Um pequeno cômodo com livros e computador, uma escrivaninha a minha frente e a janela. O parapeito da janela é estofado e grande. Em cima da escrivaninha há uma câmera e uma pasta larga e preta.

- Venha - Ethan chama pegando minha mão.

Nos sentamos no parapeito estofado e encaramos o mar. O mar. A única coisa que não mudou nos últimos anos, com exceção do céu, é obvio. As águas parecem vidro brilhando com a luz do sol, e a espuma das ondas mudam de cor à medida que se aproximam da areia. E mais a frente, o pôr-do-sol, imenso e brilhante, em um alaranjado exuberante e incrível. Não muito longe há algumas gaivotas, brancas como a neve.

É lindo. Na verdade, eu chamaria de perfeito. Nunca imaginei que depois de cidades devastadas e poluição, haveria uma imagem como essa.

Ethan levanta o vidro e joga a perna para o lado de fora, ficando com metade do corpo dentro do cômodo e metade do lado de fora da janela. Fico surpresa com sua tranquilidade, considerando o fato de que podemos ser alvejados em qualquer instante. Mas nesse momento, Ethan parece não ligar para nada.

O garoto não diz uma palavra, mas o que ele não diz, seu olhar demonstra. Seus olhos brilham diante da luz do sol, transformando a cor verde folha em um verde esmeralda radiante. Seu rosto demonstra que ele adora fazer aquilo, como se contemplar o mar fosse dar esperança ou sinal de mudança.

- O que acha? - pergunta balançando os pés para frente e para trás.

Eu volto a olhar o sol no horizonte.

- É... Lindo, Ethan. Obrigada - ele me olha sorrindo e depois encara o mar novamente. - Quem mais sabe desse lugar?

- Tecnicamente apenas eu e Lian sabemos a senha, porque sou eu quem o ajuda administrar essa bagunça; é um depósito de coisas normais, sabe? – ele aponta para o armário – Ali, por exemplo, tem uma câmera e materiais de pintura. Quase ninguém procura por isso.

Seus olhos desviam para mim de novo. Acho engraçado como ele consegue dizer tantas coisas mesmo estando calado. Quando baixo o olhar, constrangida, Ethan sorri e me puxa pelo cotovelo, me beijando devagar e delicadamente. Coloco meu cabelo atrás da orelha quando ele indica o lugar ao seu lado com a cabeça, me levantando e me sentando em seu lado. Suas mãos passam por minha cintura e eu encosto minha cabeça em seu ombro, aspirando seu cheiro de menta.

- Eu decidi ficar, Ethan - eu conto, e ele me segura pelos ombros, chocado. - Contando que eu possa procurar por Jake, Ben e Anna enquanto estiver fora...

Ethan assente, em silêncio, soltando um sorriso fraco. Em um acordo silencioso comigo mesma, decido deixar robôs, máquinas e guerras por pelo menos algumas horas. No momento, sou apenas eu. Eu e Ethan, em uma imagem libertadora.

- Como achou esse lugar? - Pergunto. - Me conte como veio para o Refúgio 17.

Ele respira fundo e olha o horizonte.

- Eu tinha 14 anos, no ano em que eles começaram a evacuação - explica. – Joe e meu pai trouxeram nossas famílias para o 17, alguma coisa sobre ordens dos superiores de Joe - Ethan limpa a garganta. – Estava uma bagunça, Sam. Todo mundo no refeitório, gritando de medo. Quando ficaram em silêncio, conseguíamos ouvir as bombas do lado de fora, o exército sendo derrotado. Tudo. Foi tão rápido, de uma hora para a outra o refeitório ficou histérico, as pessoas começaram a se atacar.

Ethan lança um olhar perdido para um prédio ao longe e depois olha para o chão.

- Minha mãe e eu acabamos nos separamos de Sofia e meu pai no meio da confusão. E de repente um homem à nossa frente ergue a arma e ameaça atirar caso alguém avançasse outra vez - Ethan hesita, parece tentar conter a indignação em sua voz. - Foi quando uma bomba explodiu perto daqui e fez Nova York inteira tremer, mas o único barulho que eu me lembro, é da arma disparando. Minha mãe estava na frente.

Não sei o que dizer. Sinto uma vontade enorme de segurar Ethan e nunca mais soltar.

- Não consegui segurá-la, é claro, mas ela caiu no meu colo. Meu pai chegou uns segundos depois, arrancou a arma da mão do cara, deu um bom gancho de direita e em seguida estava lá... tentando parar o sangramento - Ele gagueja e estende o pingente de cruz, mostrando o cordão que era de sua mãe. – Não foi suficiente.

Ethan fica alguns segundos em silêncio.

- Nunca havia visto meu pai chorar, Sam. Mas naquela noite, depois de Joe estabelecer a ordem, ele chorou feito um bebê - o garoto gira o pingente em seus dedos algumas vezes antes de prosseguir: - Quando Joe assumiu a liderança, mandou meu pai em uma missão de contato, e eu não o vi desde então - Ele suspira. - Os treinamentos a menores começaram logo depois.

Fico calada o observando olhar fixamente para o mar.

– Sabe, eu queria muito ter dito "tchau" para os meus pais. Queria poder navegar um navio com meu pai, já que ele dizia que eu iria seguir os passos dele e virar Capitão... – um leve sorriso passa por seus lábios. - ah, eu também adoraria tocar piano com minha mãe de novo. É uma merda isso, não é?

Ethan mantém a cabeça baixa e fico em silêncio. Encosto minha cabeça em seu ombro, e o beijo de leve no queixo. Percebo um pequeno sorriso formar em seus lábios. Ethan se vira para mim, fitando meu rosto com hesitação.

- Sam, eu...  - ele gagueja, limpando a garganta. Franzo a testa. - Tem uma coisa que eu quero dizer, mas não sei como.

Pisco algumas vezes, sorrindo e me recompondo. Os olhos verdes de Ethan deduram o que, exatamente, ele quer falar. Me pergunto se ele considera cedo demais para dizer, ou se acha que não irei dizer de volta. Por isso, dou de ombros.

- Ah, eu sei, Ethan - falo, lhe lançando uma piscadela, e me aproximo de seu ouvido, sussurrando: - E não conte a ninguém que sinto o mesmo.

Me encosto em seu ombro de novo, fitando o mar e tentando ignorar que não podemos ficar tanto tempo expostos assim. E sem deixar Ethan responder. Ficamos ali, em silêncio, observando o sol aos poucos ir se abaixando e o barulho das gaivotas irem diminuindo.

Ethan ri baixinho, se aproximando do meu ouvido.

- Não se preocupe, Sam. Seu segredo está guardado comigo.

A Rebelião {1°Vol. Da trilogia A Rebelião}Onde histórias criam vida. Descubra agora