Quando o rosto de Jéssica apareceu na tela do computador, naquele fim de março, Laura já sabia que seria uma longa conversa. Sua filha nem precisou dizer nada, antes mesmo do costumeiro "oi, mãe", a mulher soube. Podia ver pela expressão da menina, a sobrancelha levemente arqueada como se ela não conseguisse parar de pensar num assunto que estava incomodando-a a algum tempo. Era o mesmo olhar que a garota ficava quando tinha um dever muito difícil para resolver, enquanto estudava no seu quarto.
— Oi, mãe.
Laura arqueou a própria sobrancelha, lhe dando um sorriso de apoio. E não precisou esperar muito, na verdade, porque no segundo seguinte a garota declarou:
— Eu acho... acho que preciso da sua ajuda.
A mulher tentou não entrar em pânico.
Se tinha uma coisa que Laura sabia, nos seus quase 40 anos de idade, é que ela não era boa em dar conselhos. Nunca foi. Nunca seria. Ela não era boa em guiar as pessoas por qualquer que fosse o caminho. Certo, ela era professora, era seu dever guiar seus alunos academicamente para que eles melhor aproveitassem a matéria. Mas fora do campo acadêmico, Laura era um verdadeiro desastre.
Muito porque ela achava que as pessoas precisavam errar, por sua própria conta, do que errar pelo dedo apontado de alguma outra pessoa.
Esse era seu maior desafio como mãe.
Teria sido pior, se Jéssica não fosse mais uma benção do que exatamente uma filha. Afinal, ela vivera 17 anos sem lhe dar trabalho algum. E mesmo quando o trabalho apareceu, não foi culpa dela. Quer dizer, foi ela quem enfrentou as consequências, mas Laura jamais culparia a filha.
Não era do seu feitio sair julgando, condenando e culpando ninguém.
Muito menos Jéssica, a garota que menos deu trabalho para qualquer adulto na vida.
— O que foi, filha?
— Eu não sei o que fazer. – ela desabou, e piscou os olhos várias vezes – Quer dizer, eu sei. Mas eu não sei se devo fazer. Entende?
— Por que você não começa do começo? – Laura disse, doce, arriscando um sorriso.
— Eu estou apaixonada.
É claro. Aquela era uma informação que Jéssica não precisava dizer, em voz alta, para Laura compreender. Podia ser um pouco desligada, mas não era boba. Pareceu bastante claro quando, alguns meses antes, ela viu Jéssica junto de Colin para saber que aquilo era paixão. Aquela paixão juvenil, pura e tão bonita que só os adolescentes conseguem viver.
— Mas eu acho... Eu acho que não posso ficar aqui. Entende?
Laura entendia.
Ela conhecia aquele sentimento, aquela sensação, aquela certeza que pairava bem na boca do estômago impedindo de comer. Ela conhecia como ninguém. E jamais esqueceria quão horrível era aquilo.
— Por que não? – ela perguntou, ainda assim.
— Não é justo. – ela deu de ombros – Entende? Com ele. Porque eu não estou inteira. Porque deixei cacos meus espalhados do outro lado do oceano e o que ofereço para Colin são só migalhas de tudo aquilo que eu poderia ser, senão fosse toda a confusão que me meti antes de vir para cá. Mas não é estranho? – ela continuou, num fôlego só – Porque se não fosse a confusão, eu nunca viria para cá.
— A vida é estranha – Laura concordou – Então você quer voltar.
Jéssica mordeu o lábio inferior.
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Cores De Um Recomeço
Teen FictionA vida de Jéssica poderia ser resumida assim: duas músicas para acordar, cinco para tomar café, três para chegar a sua escola, montada em sua bicicleta laranja, quatro para ir para a casa da sua única melhor amiga. E ela estava muito bem assim, obri...