Capítulo 33 - Sufocamento

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  Rain came pouring down
When I was drowning
That's when I could finally breathe  

Clean - Taylor Swift

A sensação era como se ela estivesse sendo esmagada por si mesma, como se todos os contornos de seu corpo tivessem diminuído, restringido, apertado para sufoca-la. Jéssica se sentia sufocada, quase que sem ar também.

Em contrapartida, tudo a sua volta parecia se estender a ponto dela não enxergar mais nada. Tudo era apenas um contorno no horizonte, como se ela estivesse vendo as pessoas e os lugares por aquela área de calor que um asfalto quente tinha em dias de verões muito intensos. Fazia tempo que Jéssica não sabia o que era um calor intenso. Tudo em volta dela, nela, era frio.

Jéssica queria fugir.

Queria correr para o mais longe possível. Encontrar um lugar tão, tão distante que ninguém nem teria ouvido falar sobre tecnologia, internet e compartilhamento de vídeos. Jéssica queria cair no buraco do Coelho, Jéssica queria continuar sendo Alice. A Alice de pele morena e cabelos anelados e castanhos, mas com a mesma ingenuidade e sonhos que a Alice dos livros preservava. Jéssica preferia mil vezes estar participando de um filme de Tim Burton, com cores bem diferentes do que a que estava vivendo em Dublin.

Nunca em seus quase dezoito anos Jéssica quis tanto que sua carta de Hogwarts não tivesse se extraviado pelo caminho.

Ela queria outra vida, outra chance, outro começo. Porque aquele havia dado errado. Tão errado que a menina podia muito bem arrancar fio por fio de seu enorme cabelo para se controlar. Tudo saíra fora do controle. Tudo eram cacos pequenos espalhados por todo o chão. Chão que Jéssica mal conseguia ver, exceto pelo que enxergava naquele espaço de temperatura quente, de forma deformada, sob seus pés.

Jéssica queria poder voltar no tempo, só para mudar tudo o que acontecera naquele maldito dia, naquele maldito aniversário de Pietro. Ela não teria transado com ele. Não que ela achasse que o que acontecera no quarto foi exatamente uma transa. O estômago da menina revirou. Ela não sabia muito bem como as coisas aconteciam, mas o que viveu foi próximo, muito próximo, do que ela sempre considerara como violência. Não havia provas, é claro. A única prova que tinha servia para incriminá-la. Mas esse era seu sentimento toda vez que tomava coragem para pensar por dois segundos no assunto – o tempo que ela gastava para se sentir culpada e enojada ao mesmo tempo e sufocar aqueles pensamentos num lugar muito escuro dentro dela.

Não – ela fechou as mãos em punho – Ela não teria ouvido o conselho de Camila para beber. Ela queria ter tido o domínio sobre si para dizer não. Queria ter tido forças para empurrar Pietro. Coisas que, três garrafas de cerveja depois, era um pouco difícil de ter. Jéssica queria não ter se sentido tonta, boba, com a vista embaçada e uma sensação muito ruim de que o que bebia não era só cerveja. Jéssica queria muito ter confiado mais na sua intuição. Jéssica queria não ter confiado tanto em Pietro.

Pensando bem, ela disse respirando com um pouco de dificuldade, como se tivesse corrido uma maratona de dez quilômetros e não andado alguns metros até em casa, ela nem devia ter ido a uma festa. Até porque ela não fazia mesmo parte daquele mundo, daquela gente, daqueles assuntos. Jess era a garota diferente do batom roxo, dos livros comprados em sebo porque gostava do cheiro, dos copos enormes de café, da bicicleta laranja. O resto de sua escola era das patricinhas que só iam para o colégio de carro, dos babacas do time de futebol, de gente que só carregava copos com bebidas alcóolicas.

Gente que era descolada, liberta, vivendo o que queriam viver sem medo. Tudo o que a menina sempre foi era um poço profundo de medo, de insegurança, de ansiedade, presa dentro de suas próprias amarras, tentando parecer descolada para pertencer àquele mundo. Mas Jess sempre pensou que talvez ela nunca se encaixasse em lugar nenhum. O problema sempre foi dela.

Cores De Um RecomeçoOnde histórias criam vida. Descubra agora