Quantas vezes o mundo pode virar ao avesso e a gente ainda conseguir vestir a roupa e continuar, mesmo estando toda torta? Era isso que vinha à mente de Jéssica durante aqueles momentos, enquanto via as bocas dos seus pais se mexerem, as bocas dos pais de Chloe se mexerem, tudo se mexer, embora ela continuasse imóvel sem ouvir som algum.
Seu mundo, por toda sua vida, sempre foi muito organizado. Tudo era cronometrado com músicas que lhe traziam paz. Tudo estava sempre no mesmo lugar. Mas, desde que aceitara ir àquele maldito quarto com Pietro, tudo estava revirado, de cabeça para baixo, bagunçado, sem sentido nenhum.
A menina odiava Pietro.
A menina queria mesmo era parar de se odiar.
Quando Jéssica foi receber seus pais na porta de casa, ela sentiu alívio ao encarar os olhos cor de avelã, iguais aos seus, de sua mãe. Ela sentiu seu coração encher daquilo que aprendeu que era amor ao vê-la lhe dar um sorriso. E sentiu, pelos minutos que se emaranhou no melhor abraço do mundo, a segurança que mais uma vez era tirada dela bem quando ela estava tentando voltar a sua vida normal.
Quando Jéssica encarou os olhos claros de Brad, ela sentiu medo.
Era estranho isso, porque seu pai não era assim tão mal e a garota sabia disso. Sabia que ele tinha feito muito mais do que a maioria dos homens que tivesse um filho nas condições que sua mãe teve. Sabia que, de certo modo, precisava ser grata. Mas ela também sabia que a distância do Brasil e Austrália não era só física – e que era uma distância que depois de dezessete anos era praticamente intransponível.
Mas ali estava ele. Para lhe lembrar que era seu pai, apesar das ausências em eventos escolares ou premiações. Apesar de só falar com ele por quinze minutos diários, em que dez deles eram gastos com reclamações com o desleixo da menina para com o inglês. Apesar do fato de que as únicas lembranças que mantinha dele era de sua voz grossa e severa do outro lado da linha. Para lhe lembrar, principalmente, o quanto aquela situação era mesmo séria.
Jéssica queria chorar.
E não era pouco. Mas, depois de ter sido tão bem acolhida por Chloe no chão da cozinha, e sentir que era sim possível voltar a respirar quase normalmente, ela não tinha muito mais lágrimas para colocar para fora.
Agora seus pais estavam ali, no meio da sala, Brad se entendendo muito bem com o inglês dos pais de Chloe, embora Laura tivesse aquele olhar perdido que a menina sabia que tinha, vez ou outra, quando começavam a falar muito rápido. Jess ficou ali, imóvel, esperando que o mundo parasse de rodar, parasse de revirar, parasse de joga-la ao chão para que ela pudesse pensar.
Logo ela, a garota que estava sempre pensando em tudo o que tinha para fazer – e raramente agindo – tendo dificuldade de organizar seus pensamentos dentro de si.
Jéssica nunca soube o que queria da vida. Agora, depois de tudo, nem mesmo sabia quem ela era.
— Jess? – ela escutou sua mãe dizer, ao seu lado – Você está bem?
A menina sentiu o seu rosto balançar mecanicamente, para cima e para baixo, como se fosse uma marionete sem controle. Os cantos de seus olhos se encheram de lágrimas automaticamente e ela piscou várias vezes tentando, com a maior determinação que ainda lhe havia sobrado, controlar o choro.
— Você não me parece bem. – Laura cerrou os olhos.
Jéssica deu uma risadinha, aninhando-se ao colo da mãe, sentindo saudade até do jeito meio maluco e sem noção de Laura.
— Você não muda, não é?
— Por que mudaria? – ela deu de ombros e passou a mão pela nuca da menina, lhe fazendo cafuné – O que é que eles estão dizendo? Eu me perdi na metade da conversa.
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Cores De Um Recomeço
Novela JuvenilA vida de Jéssica poderia ser resumida assim: duas músicas para acordar, cinco para tomar café, três para chegar a sua escola, montada em sua bicicleta laranja, quatro para ir para a casa da sua única melhor amiga. E ela estava muito bem assim, obri...