Hoje eu sei que quem me deu a ideia
De uma nova consciência e juventude
Tá em casa, guardado por Deus (Belchior)
Laura Antunes sentou-se na poltrona vermelha da sua sala, rodando o celular em sua mão. Na parede a frente, havia um quadro pendurado – uma foto dela e de Jéssica, quando a garota era pequena demais e ela conseguia protege-la. A mulher suspirou, fechando os olhos, as cenas do vídeo visto dançando em sua mente como cacos de vidro afiados. Ela podia sentir a dor em cada movimento em sua cabeça, podia sentir a ferida sangrar, podia se assustar como um animal ferido em frente sua maior ameaça.
A maior ameaça que uma mãe podia vislumbrar – um ataque a sua prole.
Ela abriu os olhos e encarou o retrato da filha de novo. Jéssica tinha sete anos na foto, o dente que caíra no dia anterior ao passeio a deixava com uma expressão de sapeca, o que a garota nunca foi em sua vida.
Quando Laura descobriu que estava grávida, ela sentiu o chão abaixo de si se desfazer. Ela tinha vinte e um anos, estava terminando a graduação de biologia, esperava entrar no mestrado nos meses seguintes. Era a garota com as maiores notas da sala e todos os professores a tinham como exemplo. Então, ela viajou para o outro lado do mundo, para fazer um curso de mergulho. Se apaixonou a primeira vista por um exemplar típico da Austrália, de um jeito que a mulher sabia que, mesmo depois de dezessete anos, não havia superado. E voltara grávida.
Todas as pessoas disseram para ela que criar filho não era nada fácil. Que criar filho sozinha, sem um pai, era mais difícil ainda. Mas, naqueles dezessete anos, Jéssica nunca havia dado um mínimo trabalho. A garota era tão comportada, tão centrada, tão obsessiva na sua rotina de sempre, que Laura podia contar nos dedos às vezes que tivera que xingar sua filha, por qualquer que fosse o motivo.
Estava tudo indo muito bem, obrigada, até agora, meses antes de Jéssica completar dezoito anos e Laura se ver um pouco livre da pressão que todo mundo jogava nela por criar a menina sozinha e daquele jeito tão maluco.
Talvez fosse culpa dela mesma, da Laura, afinal. Ela devia ter desconfiado que alguma coisa daria errado para fazer com que todo seu trabalho de dezessete anos de mãe quase solteira fosse por água abaixo.
Agora não era só o chão que se desfazia. Agora, o mundo inteiro de Laura Antunes não existia mais.
Ela discou os números que sabia de cor, sentindo-se fraca, indefesa e tão machucada que estava difícil de respirar. E esperou que Brad atendesse antes que ela não conseguisse mais segurar o choro e o desespero dentro de seu peito.
— Hello! – ele atendeu depois de vários toques. A voz dele estava quase semitonada, o que fez com que Laura olhasse a hora no relógio sobre a cabeceira, tentando fazer as contas do fuso horário.
Brad, o bonito, rico, moralista e muito educado Brad Becker, dormia muito mais cedo do que os padrões da família Antunes. Na verdade, ele era tão diferente de Laura que os dois só podiam mesmo ter vivido uma paixão de verão que durou duas semanas, e trouxe uma consequência para o resto da vida deles.
De um modo geral, grandes paixões costumam deixar grandes rancores, mas não entre Laura e Brad. Os dois não se davam nem bem nem mal, e só mantinham contato por causa de Jéssica, de modo que se falavam pouco e só quando muito necessário. Não porque não se suportassem – na verdade, as poucas vezes que conversavam, sempre fazia Laura rememorar aquelas semanas da sua juventude, em que ela sempre terminava o diálogo provocando-o de algum jeito, por ser tão certinho na vida. Mas, simplesmente, porque os dois tinham pouca coisa, além da filha, em comum. E, com o passar dos anos, essas discrepâncias foram ficando cada vez maiores.
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Cores De Um Recomeço
Novela JuvenilA vida de Jéssica poderia ser resumida assim: duas músicas para acordar, cinco para tomar café, três para chegar a sua escola, montada em sua bicicleta laranja, quatro para ir para a casa da sua única melhor amiga. E ela estava muito bem assim, obri...