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A L I S S A

Eu te conheço, sei que você é solitário.  E eu acho que você precisa de alguém que te queira.  Bem, eu quero, então seja corajoso e me queira também.

Skins (série de TV)

– Que ele é escorpiano eu já sei, mas para ser assim tão grosso só podia ter Capricórnio como ascendente.

Essa é a primeira coisa que Anna diz logo após Daniel resmungar e se afastar da nossa mesa para sair de sala. Estou tão interessada que nem me preocupo em reclamar com ela sobre sua mania de astrologia.

– Mas escorpianos não são explosivos?

– Mais ou menos. Daniel se faz de arrogante e indiferente, mas dá chilique por qualquer coisa. Só que um chilique calculado, pra parecer que não é chilique de verdade. Às vezes acho que ele é um cretino, outras vezes acho que ele é um cretino que não se dá conta que é um. Ou talvez ele saiba que é, mas simplesmente não consiga ser de outro jeito.

– Ele está estressado com uns problemas. – Thomas fala, olhando para porta por onde Daniel saiu ainda há pouco.

– Que tipo de problemas?

– Do tipo pessoais. Ele não gosta de falar muito sobre isso.

– Deve ser por isso que está com problemas, então. – Victor contrapõe, com irritação evidente.

Thomas não responde e eu também fico em silêncio, as engrenagens na minha cabeça começando a trabalhar. Mas Anna não me deixa pensar por muito tempo, ela pega Victor pelo braço e o empurra na direção da cadeira em que Daniel estava sentado.

– Senta aí, porque se o garoto-tumblr não quer participar disso, tem quem queira. Vamos falar sobre a nossa peça.

≈ ≈ ≈

As últimas aulas da terça-feira são um saco. É simplesmente uma das piores disciplinas, se é que podemos chamar assim, que pode existir. Estudo e pesquisa. Nós basicamente nos sentamos por cerca de duas horas para estudar e pesquisar sobre qualquer coisa do nosso interesse. Isso pode ser o paraíso para muitos estudantes, porque os parâmetros de busca são livres. Você pode, literalmente, pesquisar sobre o que quiser. E é justo isso o que me incomoda.

Eu simplesmente não sei o que pesquisar. Estou mais acostumada a ter alguém mais sábio me dizendo o que fazer. Quero algo útil e interessante, mas meu parceiro de trabalho, Thomas, não pensa igual a mim. Ele quer ver vídeos sobre acne.

Isso mesmo, Thomas quer passar as próximas duas horas vendo pessoas espremendo suas espinhas. Não, obrigada. Eu cuido muito bem da minha pele, não preciso disso.

– Mas isso é ciência, Alissa – ele protesta, quando eu fecho a aba do Youtube e abro um outro navegador de pesquisa.

– É uma ciência nojenta, isso sim – resmungo.

Thomas revira os olhos. Anna não está conosco. Nem ela, nem Daniel. Eu sei que ela foi ver Victor, mas Daniel sumiu desde o primeiro período.

– O que vamos fazer, então? Não me faça ver o manual da maquiagem perfeita, por favor.

– Me poupe, Thomas, isso eu vejo em casa. Aqui nós vamos ver outra coisa.

– Tipo o quê?

– Tipo... Tipo não sei. Vamos perguntar a Sarah o que ela recomenda.

Thomas revira os olhos e cruza os braços quando Sarah, ao ouvir seu nome sendo mencionado, se aproxima da nossa mesa.

– Estão indecisos sobre o que estudar hoje?

Ela é nossa orientadora, professora de literatura, e responsável também por essa aula. É daquele tipo de pessoa que está sempre disposta a ajudar.

– Eu sei muito bem o que eu quero estudar hoje – Thomas murmura e eu dou um cutucão em sua costela com meu cotovelo. Ele ri.

– Na verdade, queríamos a sua opinião, professora – explico, falando por cima de Thomas. – O que acha que iríamos gostar de pesquisar hoje?

Sarah respira fundo, preparando seu discurso de professora prestativa que sempre sabe o que fazer. Assim que eu gosto.

– Vocês gostam de ciências, não gostam? Poderiam ir até a biblioteca e se encontrar com seus colegas que já estão lá. Tem algumas duplas estudando astronomia e corpo humano. Podem se juntar a eles, se quiserem.

Thomas e eu concordamos e nos levantamos para seguir até a biblioteca, que é na sala anexa ao laboratório de informática. Quando chegamos lá, a primeira coisa que noto é que Daniel está de volta. Quer dizer, não exatamente de volta. Ele está nos fundos da biblioteca, numa mesa vazia, lendo um livro de capa grossa. Não tira a atenção do livro nem quando Thomas me puxa até ele.

– O que você tá fazendo? – Tom pergunta.

Daniel demora a levantar a vista, e, quando o faz, percebo que não está de bom humor. Seus olhos estão avermelhados, como se ele estivesse com sono, e pela primeira vez noto as olheiras que estão se formando embaixo deles. Apesar de ter erguido o rosto, ele não nos encara, e fala com um nível de sarcasmo bem explícito na voz:

– Peguei este livro para comer.

Thomas revira os olhos, mas não parece aborrecido de verdade.

– Pensei que tinha sido pra fazer uma fogueira.

Então dá as costas e vai embora, deixando Daniel ali sozinho. Ou melhor, não exatamente sozinho, pois eu fico exatamente onde estou, indecisa sobre o que fazer.

– O que foi? – Ele pergunta quando me vê ali parada.

Eu sinto minha face ruborizar de novo. Penso em seguir Thomas e cair fora dali o mais rápido possível, deixar Daniel em paz. É meio óbvio que é isso o que ele quer. Estou prestes a seguir esse caminho quando olho ao redor para procurar a direção que Thomas tomou e vejo algo interessante.

Bianca também está na biblioteca, mas não está com Daniel. E até onde sei, eles são namorados. Ela está no lado oposto ao dele, junto de Milena, Kevin e outro cara. Tom passa reto por eles, que param a conversa para encará-lo. Bianca faz uma cara culpada, mas não diz nada. Ela olha para onde Daniel está sentado e me vê parada ao lado da mesa. Suas sobrancelhas se erguem por um segundo, então ela relaxa a expressão e vira a cara, como se eu não valesse sua preocupação.

Não sei bem o que me impulsiona a falar com Daniel. Talvez tenha sido a indignação que senti ao ser menosprezada por Bianca, talvez tenha sido a impressão que ela deu de não ter mais nada a ver com ele, ou talvez tenha sido a forma como ele me olhou, parecendo tão exausto em ter que sustentar sua máscara rotineira de indiferença. Antes que eu possa mudar de ideia, puxo uma cadeira da mesa onde ele está e me sento a sua frente.

– Você e Bianca terminaram? – Essas são as primeiras palavras que saem da minha boca e imediatamente eu me arrependo.

O jeito como ele me olha faz com que eu me encolha na cadeira e sinta vontade de ir embora, mas eu tento continuar firme.

– É que você parece triste.

Ele vacila por um instante ao me ouvir dizer isso, mas logo sua expressão endurece novamente.

– E o que você tem a ver com isso?

– Desculpa, é que.. Esquece. Estupidez a minha de vir aqui me intrometer.

Eu me levanto desajeitada da mesa e me afasto sem olhar para trás, sentindo minha face mais quente do que nunca.

Quando passo pela mesa de Bianca e seus amigos, vejo o olhar que ela me dirige, como se já se esperasse que aquilo fosse acontecer e estivesse bem satisfeita. Sustento o orgulho e decido que a partir de hoje Daniel Clarke não significará mais do que nada para mim.

SubmersosOnde histórias criam vida. Descubra agora