26

2.1K 366 61
                                    

D A N I E L

Você não consegue me ver? Acho que estou me apaixonando, me apaixonando por você.
(FallingforyouThe 1975)


Por alguma razão que eu prefiro não admitir, eu saio mais cedo na terça-feira e resolvo ir de ônibus para a escola. Vou olhando para o chão durante todo o caminho que percorro ao descer a rua na direção da parada. Mas, quando preciso erguer a vista para atravessar a rua, vejo Alissa sentada no banquinho enquanto espera o ônibus.

Eu quero dizer alguma coisa, mas não sei bem o quê. "Então você está mesmo indo de ônibus?" seria algo extremamente babaca, porque é óbvio que ela está fazendo isso desde a semana passada. Dizer apenas oi seria muito vago e talvez um pouco pretensioso. Não quero que ela pense que eu estou querendo alguma coisa. Se eu pedir para ela esquecer tudo o que aconteceu ontem antes de o sinal tocar e eu sumir no restante dos períodos de aula vou parecer arrogante. Mesmo que eu queira dizer isso mesmo.

Sinto minha mão formigar só de lembrar que estive de mãos dadas com ela durante cerca de quinze minutos no dia anterior. Mas não posso dizer isso também. Não posso dizer nada do que gostaria e não sei o que falar sem parecer um idiota desesperado ou um louco arrogante, então fico calado e de pé no meio fio, sem olhar para trás uma única vez, com os fones nos ouvidos, mas sem música tocando.

– Você veio cedo – ouço-a dizer, finalmente.

Qualquer pessoa poderia ter se usado disso como uma oportunidade de iniciar uma conversa, porque isso parece mesmo com algo que alguém a fim de começar um diálogo diria. Mas eu não sou qualquer pessoa, então respondo um "é" de forma automática e resmungada que deixa claro o quanto sou péssimo em socializar. Mas o que mais eu poderia dizer? Não sei manter uma conversa legal. Não sei como puxar assunto. E quer saber? Foda-se. Não quero mesmo falar com ninguém.

– O ônibus vai demorar um pouco a passar. Você não quer se sentar? – Alissa pergunta.

Imediatamente, eu giro para trás e vou me sentar ao seu lado no banco. Tomo o cuidado de manter uma distância considerável, mas ela não percebe ou não se importa, porque sorri para mim com uma autêntica simpatia.

– Oi – ela cumprimenta.

– Oi. – Eu respondo.

Não dizemos mais nada até o ônibus chegar, mas o silêncio não é mais tão constrangedor quanto inicialmente.

Quando entramos no ônibus, tomo a atitude estúpida de deixar que Alissa vá na frente, de forma que ela se senta no assento do lado da janela onde eu costumo me sentar e eu não tenho como reclamar, então vou para outro lugar perto da janela, porém no lado oposto ao que ela está. Queria ter o surto de coragem que tive na primeira vez em que a vi subir neste ônibus e ir me sentar ao seu lado, mas naquele dia eu estava me sentindo de uma forma que só me sinto ocasionalmente, quando sem razão específica tomo atitudes súbitas que variam do que outras pessoas podem considerar como normal ou eufórico e impulsivo. Geralmente nesses dias eu estou sentindo aquela típica alegria que antecede a extrema tristeza. Hoje eu estou sentindo uma espécie de ansiedade falsa, que é quando você fica esperando que alguma coisa aconteça quando sabe que tudo continuará a mesma coisa. Quando me sinto assim, sei que ficarei triste depois, decepcionado-me ao voltar para casa e saber que nada mudou.

Sigo observando a paisagem pela janela durante todo o caminho. Tento não me frustrar por não ter a vista privilegiada do mar que Alissa está tendo sentada no meu lugar e procuro me distrair observando os primeiros pedestres nas ruas e os comércios sendo abertos. A vida nascendo com mais um dia e eu aqui parado com a minha.

Durante as aulas, flagro Alissa me olhando algumas vezes. Ou talvez seja ela quem me flagra olhando em sua direção com uma frequência quase suspeita. Em todas as vezes que nossos olhares se encontram ela sorri, mas eu permaneço sem expressão, com medo de denunciar seja lá o que estou achando disso tudo. No fim da aula, nós voltamos de ônibus juntos mais uma vez, cada um de um lado do corredor, observando pela janela. Desta vez eu consigo pegar meu lugar de sempre no ônibus quase vazio.

Quando descemos e seguimos em direção a nossas casas, caminhamos lado a lado em silêncio. Mais uma vez eu penso em dizer alguma coisa, mas meu atraso em decidir a coisa certa para falar acaba fazendo com que cheguemos cada um em sua casa sem termos dito absolutamente nada. Porém, quando Alissa está subindo os dois degraus de entrada da sua casa, ela para e se despede com uma promessa:

– Te vejo amanhã.

E eu me surpreendo ao perceber que a falsa ansiedade não me tornou triste, porque afinal, alguma coisa mudou.

SubmersosOnde histórias criam vida. Descubra agora