16 - Parte I

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A L I S S A

A tempestade que chega é da cor dos seus olhos castanhos.

Legião Urbana (Tempo Perdido)

Não tenho muito orgulho em dizer que não passo muito tempo na internet. A maioria dos meus amigos poderia ficar o dia inteiro mexendo no laptop ou no celular enquanto eu não passo mais do que uma hora em qualquer rede social. Não por não gostar, apenas acho cansativo depois de um tempo.

Na verdade, eu até preciso das redes sociais se quiser ficar por dentro do que está acontecendo ao meu redor e no mundo. Por exemplo, só consigo comprar as músicas novas dos meus cantores preferidos se estiver ligada a cada vez que eles lançam alguma coisa. E não poderia saber que meu irmão Lucas está formando uma banda na sua escola se seu diretor não tivesse postado uma foto anunciando o projeto na página oficial da instituição no Facebook.

Nossos alunos Eric Menezes, Noah Kaufmann, Nícolas Cardoso e Lucas Junqueira Lerner, no primeiro ensaio da banda da escola, ainda sem nome, mas já arrasando antes mesmo de ser oficializada. – É a legenda da foto onde meu irmão aparece junto de outros três garotos diante de vários instrumentos musicais.

A primeira coisa que reparo é que Lucas está sentado atrás da bateria, mas até onde sei, ele não toca absolutamente nada de bateria ou qualquer outro instrumento. Lembro-me de ele ter mencionado algo sobre querer uma bateria de presente, inclusive eu fiquei encarregada de convencer minha mãe a comprar, mas acabei esquecendo disso com a rotina diária de estudos.

Correndo os olhos pela imagem, descubro um dos garotos, o que está segurando uma guitarra, olhando de cara feia para meu irmão. Há um terceiro garoto segurando outra guitarra, ou um baixo, nunca aprendi a diferenciar, e o último está segurando um microfone. Lucas é o único que parece satisfeito em estar ali.

Depois de fechar o laptop, resolvo também sair do quarto e procurar a minha mãe para falar sobre isso.

– Você sabia que Luke está numa banda? – pergunto, assim que a encontro em seu quarto, de frente para seu próprio laptop, provavelmente lendo ou escrevendo mais teses sobre psicologia infantil.

Ela demora um pouco a prestar atenção no que eu falei, primeiro ajeitando os óculos e me examinando com seus olhos miúdos prontos para encontrar a menor coisa fora do lugar na minha aparência. Checo mentalmente o que estou vestindo: um macaquinho de tecido leve, branco com estampa de pequenas flores cinzentas. Estou calçada, estou penteada, não há nada que minha mãe vá encontrar para reclamar.

Depois do que julgo ser uma eternidade, ela finalmente se dá por satisfeita e responde, de um jeito que me faz pensar que ela já sabia disso e teve altas conversas com meu pai e meu próprio irmão para fazê-lo desistir da ideia.

– Então ele está mesmo levando isso para frente.

– É, mas ele não sabe tocar nada.

– Eu sei disso, mas você sabe como Luke é. Quando põe uma coisa na cabeça, não desiste até conseguir.

É verdade. Lembro-me de uma época, quando Luke ainda tinha uns oito anos e decidiu que queria ser skatista. Não sei de onde ele tirou essa ideia, nosso antigo bairro era muito elegante para ter crianças ou adolescentes andando de skate pelas redondezas e nossos pais sempre controlaram o que víamos na televisão. Pode ter sido algo na escola, mas não importa. O fato é que mamãe, como sempre, corretíssima, e papai, com seu mantra de que estudos e trabalho é o que realmente importa, conversaram da forma mais doce possível com Luke para explicá-lo que skate talvez fosse radical demais para uma criança de oito anos.

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